Capítulo 24

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Anastácia Stelle

— Eles são bem legais, apesar de não estar muito certa
sobre Snake ser um guarda-costas ou um homem procurado pela
polícia — disse envolvida em seus braços, com um desejo ardente
de não sair mais dali. Lobo riu, fazendo o som profundo ecoar em
meus ouvidos.
— Aqueles dois e meu pai são tudo que tenho. — Sua voz
pesada recaiu sobre mim, assim como o beijo demorado que ele
depositou em minha testa. — Fica fácil gostar deles quando você se
acostuma com o humor inquieto e depreciativo de Snake e com as
súbitas aparições de Fantasma. — Christian  desceu os dedos por
meus braços e segurou minha mão, guiando-me para dentro da
casa novamente.
— Estou chocada com a facilidade daquele homem de andar
sem ser ouvido. Ele sempre foi assim?
— Fantasma teve um passado muito triste, onde aprendeu
que para sobreviver, ele não podia ser notado. — Ele caminhou até
o sofá e se sentou, puxando-me para junto de si. Subi os pés para o
móvel macio e me enrosquei em seu abraço com uma naturalidade
que chegou a me assustar. — Não faz ideia do que era morar na
mesma casa que ele. Todos os dias eu levava um susto diferente.
Nunca um apelido combinou tanto com alguém.
— O seu também combina muito com você. Quando
começou a ser chamado de Lobo?
— A heterocromia me fez ganhar este apelido assim que
entrei no orfanato pela primeira vez, mas esse não foi o único
motivo. Eu não só tinha olhos de cores diferentes, como alguns
lobos, mas também era agressivo, indomável. Vivia pelos cantos
escuros do lugar e quando os meninos mais velhos vinham me

provocar, eu sempre devolvia na mesma moeda, ainda que levasse
uma surra, nunca aceitei uma provocação em silêncio. Aos poucos,
fui me tornando conhecido naquele lugar. — Ele depositou um beijo
tenro em meu ombro e me encaixei ainda mais em seus braços.
— Como foi que seu pai te escolheu? Pode me contar? Só se
não te incomodar...
— Claro. É uma história até engraçada.
— Ele te achou ateando fogo no lugar? Consigo imaginá-lo
de cabeça para baixo, pendurado em um lustre, enquanto sua
pequena gangue aterrorizava o lugar. — Ri baixo, com a imagem de
uma versão miniatura de Lobo que deveria ser muito fofa.
— Sua imaginação é muito fértil. — Foi a vez de Lobo dar
risada. — Na verdade, quando meu pai chegou ao orfanato, eu tinha
acabado de brigar com outro menino, muito maior que eu, por causa
da maçã que serviam no refeitório. Vez ou outra alguém roubava
minha comida para me provocar. Eu era um dos mais novos
moradores do lugar, já que tinha fugido do primeiro orfanato para o
qual me enviaram, então todos os veteranos se achavam no direito
de me perseguir. No começo eu apanhava bastante e com
frequência passava o dia todo com fome por isso, mas o tempo foi
passando e então, comecei a revidar com mais afinco e fiquei ainda
mais agressivo do que já era.
— Isso não me parece uma história engraçada. — Ergui-me
sobre um dos cotovelos. Meu coração bateu forte e um nó se
prendeu em minha garganta ao imaginá-lo pequeno e sozinho após
presenciar a morte da mãe, passando fome em um lugar que
deveria abrigá-lo do mundo.
— Não fique triste, meu anjo, a parte engraçada vem agora,
eu prometo. — Ele desceu o indicador por minhas costas e parou a
mão no final da minha coluna, quase tocando minha bunda. —
Naquele dia eu reagi libertando tudo que tinha de raiva dentro de
mim, quebrei o nariz do menino, mas acabei ganhando um belo olho
roxo e um castigo. Fui para o quarto com fome, enquanto os outros
meninos brincavam.
— Ainda não encontrei a graça. — Porcaria, agora meus
olhos estavam lacrimejando. Encolhi-me em seu peito para que ele

não visse.
— Grey  chegou no orfanato bem naquela tarde. Ele
procurou a administração que começou a mostrá-lo as melhores
opções do lugar. Eu estava longe de ser apresentado a ele, é claro.
Fui considerado como incontrolável, agressivo e inconstante desde
o minuto em que pisei naquele lugar. — Ele riu, amargo. — Grey 
avaliou todos os meninos do orfanato, alguns estavam brincando
perto do meu alojamento e o mesmo menino da maçã resolveu
juntar sua turma e ir se vingar de mim pela confusão no refeitório.
Quando ele chegou com seus amigos no quarto, eu já estava
esperando por ele com um cabo de vassoura quebrado que
consegui roubar e esconder embaixo do meu colchão. Não daria
para fazer muita coisa com aquilo, mas ao menos poderia me
defender. Eram cinco garotos, se bem me lembro.
— Covardes! — praguejei. — Me diga que deu uma surra
estilo Jackie Chan neles.
— Queria muito dizer que foi uma briga insana de artes
marciais, mas a verdade é que eu surtei e não me lembro muito do
que aconteceu. Machuquei gravemente um deles, e os outros se
assustaram e foram correndo contar para a responsável pelo lugar,
que por acaso, estava ao lado de Grey . A mulher até tentou
dispensar meu pai, mas ele a seguiu enquanto ela ia até meu
alojamento ver o que tinha acontecido ao outro menino. —
Continuou, com os olhos perdidos em um ponto fixo, como se
estivesse revivendo a cena em sua cabeça. — A mulher foi
imediatamente ajudar o menino que eu tinha ferido, enquanto eu me
mantive encolhido em um canto do quarto. Sabia que a partir dali, as
coisas ficariam ainda mais perigosas para meu lado naquele lugar e
nem sequer tinha me dado conta do homem parado no meio do
quarto, até que ele se abaixou na minha frente. Ele disse alguma
coisa e inclinou a mão na minha direção.
— E o que você fez? — Encarei-o em expectativa.
— Mordi a mão dele. — Lobo gargalhou e eu abri a boca,
surpresa demais.
— Você... mordeu a mão dele?

SOB A Proteção do Lobo Where stories live. Discover now