Capítulo 7

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Lobo

No instante que vi Anastácia  caminhando pela casa usando uma
roupa de gatinho e com aquela toalha embaixo do braço eu soube
que alguma ideia estava sondando aquela cabecinha do mal.
Estava na sala de vigilância quando ela entrou no banheiro
do primeiro andar e como de costume, procurei a câmera que me
mostraria a janela exterior do lugar. Quando me dei conta de que se
tratava de um ponto cego, soube no mesmo instante qual era o
plano da safada.
Foi por muito pouco que não permiti que ela ao menos
tentasse fugir, para descobrir como ela pretendia fazer aquilo, mas
quando a vi pendurada na janela, equilibrando-se com um vestido
minúsculo e o olhar perdido no horizonte, temi que ela acabasse
caindo e se machucando.
Ainda conseguia sentir o perfume que ela deixou impregnado
em mim, junto com grande parte do brilho da sua maquiagem. Meu
terno parecia um carro alegórico, de tanto glitter.
Deveria admitir que aquela garota me causava um misto de
sensações estranhas. Raiva, preocupação, raiva de novo,
curiosidade... tudo se misturando ao fato da breve lembrança do
beijo que dei nela.
Na noite em que nos encontramos pela primeira vez, acabei
jogando no chão um bombom que, pelo visto, era muito importante
para ela. Não gostava de dever nada a ninguém e hoje, quando
estava reunindo tudo para começar o trabalho na mansão dos
Stelle , passei por uma pequena loja que vendia chocolates e não
consegui evitar a lembrança do rosto triste de Anastácia  ao vê-lo cair
no chão.

Sabia que não deveria me importar. Tinha completa ciência
do que ela poderia pensar sobre aquele gesto, mas eu não era
conhecido por pensar antes de fazer qualquer coisa e, depois de ver
o rosto de surpresa da garota, me dei conta de que valeu a pena.
Depois daquilo, meu Cristal, ou melhor, o Cristal que fui
incumbido de proteger, subiu para o quarto com o bombom,
encarando-o de um jeito estranho que me deixou em dúvida se ela
realmente o comeria ou não, e se trancou lá pelo resto da noite.
A madrugada chegou sem que eu a visse novamente. Stelle ,
pelo visto, também passaria a noite fora, provavelmente com sua
noiva, ou envolvido em trabalho.
Servi-me de uma xícara de café e me sentei, como um
soldado de pedra diante das câmeras. Focado nas únicas duas que
me davam acesso ao quarto de Anastácia . Distrai-me observando sua
janela do lado de fora. O que será que ela estava pensando quando
decidiu que fugiria? Qual era o problema daquela garota? Será que
realmente não se importava mais com a própria vida?
Quando se tratava da senhorita Stelle, eu tinha muitas
perguntas e nenhuma resposta.
— Lobo, se quiser esticar as pernas... podemos trocar o
externo pelo interno. — A cabeça de Lyon pendeu no vão da
abertura da porta. Ele ainda me encarava com um semblante
estranho, deixando claro que não gostava nem um pouco de mim.
— Tudo bem, preciso mesmo dar uma volta.
Levantei-me na cadeira no exato instante que um grito
horripilante ecoou pela casa silenciosa. Parte da minha alma saiu do
corpo quando identifiquei que aquele som estava vindo do quarto de Anastácia .
Saquei a arma e corri em direção à saída da sala. Os berros
ficavam mais altos e mais aflitos a cada segundo, mas antes que eu
pudesse sequer chegar ao corredor, Lyon segurou meu braço com força.
— Me solta, caralho. Não está ouvindo? — Mais um grito alto ecoou. Doloroso, agudo, como se alguém a estivesse torturando.
Nunca em toda a minha vida tinha escutado nada tão horripilante.

— Porra, Lobo, espera! — Ele continuou segurando meu
braço com firmeza. Dei um solavanco, descrente de que ele estava
mesmo se impondo àquilo e imediatamente uma suspeita me ocorreu.
E se Lyon estivesse encobertando alguma tentativa de
assassinato contra ela?
Saquei a arma e mirei no rosto dele.
— Tá maluco, cara? Estamos do mesmo lado.
— Não tenho tanta certeza disso. — Apressei-me em chegar
perto do quarto de Anastácia  e Lyon continuou no meu encalço.
— Não é o que está pensando. Você não pode entrar lá. Ela
sofre de terror noturno. Parou de tomar os remédios e sabíamos que
isso ia voltar a acontecer a qualquer momento.
Terror noturno?
Parei por um instante, já com a mão na maçaneta da porta.
— Não podemos interferir. — Lyon me encarava como se eu
fosse um completo idiota. — Não cabe a nós, Lobo. Acredite em
mim, vai passar.
Mais um grito agudo ressoou pela casa e eu não fui capaz de
ignorá-lo. Foda-se o que cabia a mim ou não. Ela estava sofrendo,
não podia simplesmente acreditar que aquela merda ia passar.
Abri a porta do quarto com um solavanco e meus olhos se
arregalaram diante o que vi.
Anastácia  se debatia na cama como se alguém estivesse bem
ali, em cima dela, machucando-a de alguma forma. Mas não havia
nada, absolutamente nada. Ela trincava os dentes e apertava os
olhos, gemendo alto como se sua pele estivesse sendo dilacerada.
— Fecha essa porta, Lobo — Lyon pediu ao meu lado.
Ainda estava congelado diante daquela visão e do horror em
forma de grito que Anastácia  dava a cada novo minuto, que demorei
um pouco para reagir, mas eu jamais, em hipótese alguma, a
abandonaria ali, sozinha daquele jeito, debatendo-se como um
animal ferido.
Entrei no quarto entre os gritos agudos e um choro
compulsivo que partiu meu coração em vários pedaços.
— Lobo! Mas que porra! — Lyon chamou, mas o ignorei.

SOB A Proteção do Lobo Where stories live. Discover now