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O dia em que Pete Saengtham conheceu seu chefe demônio havia começado de maneira bastante discreta.

Ele foi apenas um dos muitos manifestantes reunidos nos portões da sede. O prédio alto fornecia alguma proteção contra o vento frio de outubro, mas isso era praticamente a única coisa boa sobre a situação. Eles estavam sendo ignorados, os seguranças simplesmente os monitorando de longe.

— É inútil — resmungou alguém na multidão cada vez menor. — Eles não vão sair e realmente nos ouvir. Estamos perdendo nosso tempo.

Outros estavam assentindo, parecendo abatidos.

Pete franziu a testa e ergueu seu sinal mais alto. Ele se recusou a desistir tão facilmente. Ele não deixaria essa corporação sem alma destruir sua franquia de jogos favorita.

— Vamos lá pessoal. — Pete deu um passo à frente. — Vamos, só precisamos falar mais alto — disse ele, olhando para os outros caras.

Restavam apenas dezesseis, o que era um pouco desanimador, mas Pete não deixou transparecer em seu rosto. O pai dele sempre dizia isso para fazer as pessoas acreditarem em algo, você precisava parecer que você mesmo acreditava nisso, e Pete sabia que era verdade.

— Não podemos deixar aqueles idiotas escaparem impunes! Rangers merecem melhor! Por Rangers!

Para seu alívio, os outros pareceram ficar encorajados o suficiente com suas palavras e começaram a gritar animados a plenos pulmões.

Sorrindo, Pete fez o mesmo e logo seus gritos começaram a atrair atenção. Os guardas de segurança os abordaram, exigindo que parassem de interromper o trabalho das pessoas.

— Não iremos embora até que sejamos ouvidos! — Disse Pete. — Diga àqueles idiotas gananciosos da diretoria para descer e nos encontrar!

Os outros caras fizeram barulhos de aprovação, batendo em suas costas.

Encorajado, Pete gritou mais alto:

— Eles não vão nos ignorar! Eles não podem nos silenciar.

— O que está acontecendo aqui? — disse uma voz fria.

O silêncio foi instantâneo.

Pete se virou e encontrou olhos negros penetrantes. Ele nunca tinha visto olhos tão escuros antes. Ele tinha visto marrom escuro à beira do preto, mas nunca escuro, preto verdadeiro, fora de personagens de TV possuídos por demônios. Esse homem os tinha olhos negros profundos.

Levou um momento para desviar o olhar e ver o homem a quem aqueles olhos pertenciam.

Alto. Terno preto imaculado abraçando os ombros largos. Cabelo escuro, os traços finos, sobrancelhas grossas que tornavam seu olhar de falcão bastante inquietante. Uma sombra das cinco horas, apesar de ser cedo. Pela maneira como o homem se portava, era óbvio que era alguém importante. Ele praticamente cheirava a poder e dinheiro, mas Pete não o reconheceu. Para ser honesto, ele não era muito versado nos executivos da CG.

A CG era uma das maiores empresas privadas do país e sua estrutura interna não era conhecida do público. Pete só conseguiu reconhecer o rosto do CEO, mas aquele homem definitivamente não era ele. Além disso, o dono estava em coma agora. Todo mundo sabia disso.

— Nós queremos falar com alguém da diretoria da empresa.  — disse Pete quando todos os outros não responderam.

Os olhos negros pareciam ter um buraco nele.

— E quem somos 'nós'? — o homem disse, sua expressão vagamente condescendente. — Por que um membro do conselho perderia seu tempo ouvindo alguns encrenqueiros?

Pete enrubesceu.

Ele olhou para os outros caras em busca de apoio, mas para sua descrença e aborrecimento, eles estavam desaparecendo na multidão reunida um por um.

Covardes do caralho.

— Estamos representando a comunidade de jogadores — disse Pete, embora fosse praticamente o único a representá-los neste momento. Ele cruzou os braços sobre o peito e olhou para o homem. — Não vamos permitir que você transforme uma franquia icônica de jogos em um ganho de dinheiro cheio de microtransações!

A expressão do homem estava completamente impassível.

— Do que ele está falando? — ele disse, ainda olhando para Pete.

Alguém atrás do homem pigarreou.

— Parece que ele está falando sobre o novo jogo do Rangers, Sr. Theerapanyakul. É uma das antigas propriedades intelectuais que compramos.

— Ah — o homem disse, seus lábios torcendo zombeteiramente. — Achei que ele queria dizer outra coisa quando falou sobre uma 'franquia icônica de jogos'. Um IP irrelevante de que ninguém sequer se lembrou até que o reinventamos dificilmente se qualifica como tal.

As mãos de Pete se apertaram de pura raiva. Ele se aproximou do idiota e olhou para ele, odiando que ele fosse cinco mais baixo, embora também fosse muito alto.

— The Rangers IP é uma franquia de RPG
single-player com vinte anos de rica história — ele cuspiu. — E sua gananciosa empresa transformou isso em uma compra de dinheiro sem alma de um jogo multiplayer com mecânica simplificada para adolescentes! A história de Rangers 5 era tão ridiculamente pobre e incompetente que poderia ter sido escrita por um garoto de quinze anos chapado.

Theerapanyakul o encarou com uma expressão estranha: como se ele fosse um inseto, mas um pouco interessante.

— Obrigado pelo feedback — ele disse categoricamente. — Vou passar para o nosso escritor principal. Isso é tudo?

— Não, não é tudo — ele mordeu fora, se aproximando. Ele olhou carrancudo para o homem, seu pulso batendo tão rápido que ele podia realmente sentir. Sua raiva estava tornando difícil colocar seus pensamentos em palavras, e ele respirou fundo e acabou inalando a loção pós-barba ou colônia do idiota. Cheirava bem. Elegante e masculino. Provavelmente custou um zilhão de dólares. — O que sua empresa fez com a IP é uma farsa — ele disse por fim. — Se você não pode fazer justiça ao IP, venda-o para um desenvolvedor competente que faça.

O homem riu, seus dentes brancos brilhando contra sua pele dourada.

— Você ouviu isso, Arm? — ele disse, claramente falando com o homem atrás dele, embora seus olhos permanecessem em Pete. — O menino diz que devemos vender o IP para um desenvolvedor competente.

O homem riu incerto, como se não tivesse certeza de que tipo de reação era esperada dele, mas quisesse agradar aquele pau. Foi absolutamente repugnante.

— Se você está cercado por puxa-sacos — Pete zombou de Arm por um momento antes de olhar carrancudo para Theerapanyakul — não é de admirar que você não distingue sua bunda de um buraco no chão.

O funcionário fez um som sibilante, provavelmente escandalizado por Pete se atrever a falar daquela maneira com o babaca de seu chefe, que claramente era algum tipo de pessoa muito importante na empresa.

Os seguranças se aproximaram, franzindo a testa.

— Senhor. Theerapanyakul, vamos escoltar o...

Theerapanyakul ergueu a mão e eles pararam.

— Arm — ele disse, ainda olhando para Pete. — Traga o menino ao meu escritório.

Pete piscou, confuso.

Arm parecia igualmente confuso.

— Senhor Theerapanyakul? — ele disse
hesitantemente. — Por que?

— Eu tenho que me explicar para você?

Arm empalideceu.

— Claro que não, Senhor. Será feito. — Ele
sinalizou para os guardas e eles se moveram na direção de Pete no momento em que Theerapanyakul se virava e caminhava em direção ao prédio.

Pete franziu a testa para as costas, se sentindo perplexo e satisfeito na mesma medida. Era possível que o idiota realmente iria ouvi-lo?

mandão × vegaspeteWhere stories live. Discover now