Capítulo 7

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Estacionei o carro, o caminho até ali um mero borrão em minha mente. A luta entre o querer e o dever sugava minha energia aos poucos, e eu já me sentia destruído antes mesmo que tudo desmoronasse. Encarei o volante por alguns segundos, sem realmente vê-lo; meus pensamentos já estavam muito além daquela noite. Num movimento automático, forcei meu corpo a se mover e deixar o veículo.
Virei-me na direção da casa, meus olhos demorando a se desgrudarem do chão para alçarem voo até a janela do andar de cima, vazia, apesar da luz ligada. Um bom sinal... Dependendo da perspectiva.
Para evitar que a hesitação me dominasse, caminhei em passos lentos até a porta, sabotando qualquer chance de desistir ao levar meu dedo até a campainha, ainda que eu internamente implorasse para que o universo agisse em meu favor e fizesse com que aquela porta jamais se abrisse.
Meu pedido não foi atendido. Poucos segundo depois, a maçaneta girou, e eu instintivamente ergui o olhar, meu coração saltando dentro do peito. 
O choque foi mútuo. 
Milhares de possibilidades invadiram minha mente ao me deparar com um homem que aparentava ser cerca de dez anos mais velho que eu do outro lado da porta. Uma luz vermelha começou a piscar atrás de meus olhos, dizendo que eu já o havia visto antes, mas a lembrança não me ocorria. Ambos cerramos os olhos, igualmente confusos, até que uma terceira pessoa surgiu atrás dele e tudo ficou ainda mais estranho.
Nossos olhos imediatamente se encontraram, como se de repente só houvesse nós dois, e eu tive que respirar fundo para controlar a saudade escondida há dias, que agora se revelava muito mais incômoda que o desejável. Anne parecia igualmente atordoada, mas uma certa urgência em seu olhar alarmou meus sentidos. Uma série de possibilidades mirabolantes infestaram meus pensamentos numa fração de segundo. E se ela estivesse correndo perigo? Quem era aquele homem? O que ele estava fazendo ali àquela hora da noite? Onde estava a mãe dela? Anne estava sozinha com ele?
Aproveitando-se do fato de que somente eu podia vê-la, ela apenas balançou negativamente a cabeça, mantendo-se o mais silenciosa possível para que sua presença não fosse notada pelo estranho que me atendia, de costas para ela.

– Boa noite... Posso ajudá-lo? – ele perguntou, desconfiando de minha mudez. Eu ainda tinha o olhar perdido nela, que continuava sinalizando para que eu não dissesse nada sobre o verdadeiro motivo de minha visita. Apesar da grande desconfiança que me dominava, resolvi confiar em suas súplicas. Se havia algo que eu pudesse fazer para ajudá-la, ela com certeza sabia como fazê-lo melhor do que eu.

– Uh... Boa noite, senhor – enfim balbuciei, franzindo a testa em nítida confusão e desviando o olhar para o homem – Eu... Eu acho que...

– Sim? – ele incentivou, começando a desconfiar de minha atitude incomum. Anne observava, imóvel, o desenrolar da situação. Com o coração prestes a saltar pela boca, organizei meu pensamento e encontrei minha voz novamente.

– Desculpe, eu... Acho que estou no endereço errado – disse afinal, forjando uma expressão embaraçada que eu esperava ser suficientemente convincente – Eu sinto muito.

O desconhecido hesitou antes de concordar levemente com a cabeça, e eu prendi um suspiro aliviado. Lancei um último olhar perdido a Anne antes de sorrir amarelo e ir embora, desculpando-me mais uma vez pelo engano. Assim que a porta se fechou atrás de mim, olhei por sobre meu ombro, completamente desnorteado.
Me reaproximei do carro, ainda tentando formular alguma hipótese que fizesse sentido para tudo aquilo, e meus olhos vagaram mais uma vez até a janela de seu quarto, onde num segundo ela surgiu, já sabendo que eu ainda estaria ali. Ergui as sobrancelhas e os ombros, indicando meu desespero, e ela sinalizou para que eu entrasse no carro e dirigisse. Franzi a testa imediatamente, recusando-me a deixá-la sem antes receber uma boa explicação do que estava acontecendo, mas ela indicou que me ligaria logo em seguida. Levei um momento para decidir o que fazer, transtornado demais para tomar uma decisão, mas ela não me deixou outra escolha a não ser obedecê-la ao sumir de vista sem mais explicações.
Entrei no carro depressa e arranquei, sem saber para onde estava indo, e não aguentei esperar. Mandando qualquer precaução para o inferno, disquei o número para o qual eu havia me recusado a ligar até então.
A resposta não demorou a vir.

Biology IIWhere stories live. Discover now