Capítulo 16

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A janela do táxi estava completamente aberta, mas o ar continuava a me faltar. A  cidade passava depressa diante de meus olhos enquanto eu me aproximava de casa, quando na realidade tudo o que eu queria era não ter que lidar com o que me esperava lá. 
Agora considerando-se a situação) meu corpo começava a indicar sinais de que algo além   que o susto inicial havia passado (se é que isto era realmente possível de álcool ainda corria em minhas veias. Mesmo tendo sido dopada, nada parecia fora do comum... Em outras palavras, nada parecia ter acontecido. Mas eu não tinha motivo algum para confiar em Niall. De qualquer forma, o nojo que se apoderou de mim ao imaginar que os efeitos da noite anterior continuavam se manifestando em meu organismo através da leve tontura e náusea que sentia só causou, com sua intensidade, a piora desses mesmos sintomas. Meus olhos ardiam com lágrimas que eu me recusava a derrubar, negando cada uma delas com todas as minhas forças. Eu sabia que em algum momento elas me derrotariam, mas não ali, não tão facilmente; além do mais, o pior ainda estava longe de terminar. Eu teria que chegar em casa e certamente encarar perguntas, perguntas que eu não sabia como responder... Ao pensar nas possibilidades, meu coração só doía mais. Ter que relatar o ocorrido (isto é, o que eu sabia do ocorrido) para minha mãe... Mary...
Harry ...
Engoli um soluço, com a visão embaçada por lágrimas. O taxista se remexeu em seu assento, claramente desconfortável com meu estado deplorável.
Não me importei. Eu só queria sumir.
A curta caminhada do carro até a porta de casa foi terrível. A cada passo, minha vontade de correr na direção oposta só crescia; se ao menos eu tivesse para onde ir...
Não. O erro fora meu, e eu tinha que arcar com as consequências, não fugir delas. Minhas mãos tremiam ao encaixar a chave na fechadura. Bastou destrancá-la para que passos fossem ouvidos do outro lado da porta, se aproximando rapidamente. Girei a maçaneta, ao mesmo tempo em que a primeira lágrima de muitas rolou por meu rosto.

– Filha... Graças a Deus!

Meus calcanhares ainda estavam sobre o tapete de boas-vindas quando vi minha mãe parada diante de mim, mais aflita do que nunca. Um sorriso aliviado surgiu em seu rosto, e suas mãos seguraram o meu, buscando uma resposta para meu sumiço em meus olhos. Os pensamentos e sentimentos desconjuntados que encontrou somente a preocuparam ainda mais, ao invés de confortarem-na.

– O que houve? O que aconteceu? Você está bem?

Respirei fundo, mesmo sabendo que a falta de ar persistiria, e tudo o que pude fazer em seguida foi desmoronar no abraço de minha mãe.
Ela murmurava perguntas desesperadas, mas eu não conseguia responder. Eu só chorava, e chorava, e me odiava, e queria poder voltar no tempo e evitar que aquilo estivesse acontecendo. Ela não merecia aquela preocupação.
Senti outro par de mãos sobre meus ombros e outra voz chamar meu nome, e mesmo sendo familiar, levei alguns segundos para reconhecê-los como sendo de Mary. Quando consegui recuperar um pouco do controle sobre minhas emoções, vi que ela me encarava com os olhos arregalados, pálida, tão apavorada quanto minha mãe.

– Anne... O que aconteceu? – ela sussurrou, incapaz de elevar a voz diante de tanto medo. Fechei os olhos, evitando a preocupação gritante em seu rosto, e apenas balancei negativamente a cabeça. Mary insistiu, repetindo sua pergunta com um pouco mais de veemência. Engolindo o choro que ameaçava me dominar novamente, balbuciei algumas palavras.

– Ele... Ele me enganou.

– Quem? Quem te enganou, filha? – minha mãe indagou imediatamente, enxugando minhas lágrimas com as mãos trêmulas.
Meus olhos voltaram a fitá-la, e a resposta saiu de minha boca após uma breve hesitação.

– Niall.

Ambas adotaram feições ainda mais aterrorizadas ao terem seus receios confirmados. Minha atenção foi roubada não muito tempo depois, no entanto, por uma terceira figura, parada alguns passos atrás de minha mãe, que eu até então não tinha visto.
Meus pulmões foram esvaziados instantaneamente ao identificar Harry diante de mim.
O choque me paralisou por alguns segundos. Sustentei seu olhar, vazio e ao mesmo tempo cheio de significados, até inspirar profundamente, como se tivesse acabado de emergir de um mar agitado, e correr para as escadas, puramente movida pelo pavor de sua reação ao descobrir o que tinha acontecido. Ouvi passos me seguirem, porém fui mais rápida e consegui me trancar em meu quarto, ignorando os chamados do outro lado da porta. Minha respiração estava superficial e entrecortada, não só pelo súbito esforço físico, mas também pelo nervosismo que se apoderava cada vez mais de mim.
Andei em círculos por um instante, tentando raciocinar, mas nada parecia aliviar meu pânico. Esfreguei o rosto com as mãos, enxugando as lágrimas que caíam de meus olhos, e senti cheiro de álcool e vestígios de cigarro em minhas roupas devido à noite anterior. A náusea que me incomodava desde que acordei voltou com força total, e eu corri para o banheiro, despejando todo o conteúdo de meu estômago no vaso. A fraqueza que se seguiu só me tornou mais refém do choro, que agora fazia com que soluços escapassem por minha garganta. Reuni minhas forças e tirei aquelas roupas, entrando no chuveiro para que o jato de água escaldante ajudasse a remover aquela sensação horrível de sujeira de meu corpo. Peguei a esponja e o sabonete e esfreguei cada centímetro de pele com todo o meu empenho, até me certificar de que mais nenhum traço de qualquer contato com Niall, físico ou verbal, restava.
As lembranças persistiam. E eu não podia abrir minha cabeça, tirar meu cérebro dali de dentro e esfregá-lo também. Eu jamais me esqueceria.
Saí do banho e me enxuguei devagar, ainda tremendo da cabeça aos pés. Não ousei encarar meu reflexo no espelho ao escovar os dentes – três vezes. Não penteei meus cabelos; deixei-os pingando sobre minhas costas avermelhadas pela repetida fricção com a esponja. Vesti qualquer pijama que encontrei e parei diante da porta, onde minha mãe e Mary ainda esperavam. Apesar de seus chamados terem cessado, eu sabia que elas estavam ali.
Eu sabia que ele também estava. Mas eu não o queria lá.
Eu não queria ter que abrir a porta, olhar para aquelas pessoas e dizer a verdade.
Mas eu o fiz mesmo assim.
Ninguém disse uma palavra ao me ver. Não ergui meu olhar para ninguém. Apenas foquei minhas energias em minha voz, me certificando de que ela seria audível.

Biology IIWhere stories live. Discover now