Capítulo 9

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– Anne?

Sua voz soou como um mero sussurro, refletindo o espanto nítido em seus olhos ao encontrarem os meus. Ao me ver ali, diante dele, como havia imaginado tantas vezes nos últimos dias, todos os discursos que havia ensaiado desapareceram de minha memória, deixando-me completamente sem reação. De alguma forma, no entanto, meu cérebro entrou no piloto automático, e, guiada por minha determinação, consegui reagir.

– Oi, Harry .

Ele apenas continuou me encarando, como se eu fosse um fantasma, um produto de sua mente, que a qualquer momento desapareceria se ele se recusasse a admitir minha presença. Infelizmente para ele, eu era bastante real. E após longos segundos de hesitação, ele pareceu se dar conta disso, pois abriu e fechou a boca várias vezes, mas não foi capaz de emanar som algum. Não me manifestei; deixei que ele desse o próximo passo, que recuperasse totalmente o controle sobre si, para que não se sentisse ameaçado e se fechasse por completo. Para atingir pelo menos parte de meu objetivo, eu precisava que ele sentisse uma certa liberdade, um certo conforto diante de mim, o que já era um pré-requisito bem complicado, dadas as circunstâncias. As adversidades não me impediriam de tentar.

– O que você está fazendo aqui? – Harry enfim perguntou, com a voz grave, e assim que o fez, percebi que ele agora já adotava uma postura mais ofensiva, pronto para rebater meus argumentos que ainda nem haviam sido expostos.

Respirei fundo, tentando manter a calma, e dei um passo em sua direção, mostrando que não me sentia intimidada. Ainda que não fosse verdade, eu não o deixaria perceber. Não havia sido sempre assim entre nós?

– Vim falar com você – respondi com serenidade, vendo-o empertigar-se discretamente em reação à minha aproximação – Já que você não atende as minhas ligações.

Nossos olhos não se desgrudaram desde o instante em que haviam se encontrado, e a conexão parecia se fortalecer a cada palavra trocada. À menção de minhas inúmeras chamadas ignoradas, o desafio em suas pupilas pareceu fraquejar por um breve momento, denunciando que parte dele, e essa parte, por menor que fosse, era uma minoria barulhenta, ainda sentia algo por mim. Meu coração se encheu de esperança, mas logo em seguida encolheu ao imaginá-lo fitando o visor do celular, lendo meu nome inúmeras vezes na tela e, mesmo com tudo o que o impelia a atender a ligação, desviando o olhar, deixando o aparelho de lado, e junto com ele, todas as coisas que eu tinha para dizer.

– Você sabe por que eu não atendi – ele murmurou, mascarando a fragilidade de suas palavras com a aspereza de sua voz.

Não funcionou. Já era tarde, ele já havia revelado demais.
Naquele lampejo de saudade que ele havia mostrado, inúmeros sentimentos tomaram conta de mim ao mesmo tempo. Todas as vezes em que me encontrei diante de uma lembrança nossa e simplesmente não pude respirar, porque a simples hipótese de que aquelas lembranças eram tudo o que restava de nós era insuportável, voltaram à minha mente num turbilhão. Cada parte de minha vida tinha uma parte dele. Me perguntei se ele se sentia da mesma forma, e compreender parte do motivo que o levava a agir como uma pessoa completamente diferente a cada dia que passava de repente fez um certo sentido. Em meus lampejos de saudade, tudo o que eu queria era fugir de tudo aquilo, para não precisar mais lidar com aquela dor. Ainda assim, eu não podia deixá-lo ir contra quem ele era. A realidade parecia hostil, mas ignorá-la só traria mais dor.

– Eu sei – assenti devagar, dando outro passo em sua direção – Assim como eu sei por que você tem insistido tanto em se comportar como um completo estranho ultimamente.

Harry franziu a testa, demonstrando confusão, mas novamente, sua encenação não me convenceu.

– Eu não sei do que você está falando.

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