Capítulo 2

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  A história que eu criei quando eu era mais nova volta à minha memória com vivacidade. "Por que eu parei de escrever?". Arthur agora me parece preocupado, bastante desconfortável por causa da minha falta de reação e, possivelmente, pelo olhar que estou lhe dirigindo. Mas minha mente está a mil e qualquer coisa que eu disser não vai ajudar em nada. "Por que eu os abandonei?".

– Clarice? – Arthur se manifesta cautelosamente – tá tudo bem?

Olívia para de escrever e olha para mim, observando meu rosto com cuidado. Posso muito bem ler sua expressão preocupada, por mais discreta que seja. "Quer ir lá fora tomar um pouco de ar?".

– Tô bem – forço um sorriso – desculpa. – Mudo de assunto, torcendo para que eles relevem isso – acho que não sei como completar a 4, vocês querem dar uma olhada pra ver se tá bom?

Outra onda de mal-estar aparece, me deixando um tanto tonta e com o coração acelerado. Respiro fundo e tento focar na textura macia da manga do moletom.

Trocamos nossas folhas de questões com as respostas e anotações, para que possamos complementar e corrigir algumas coisas. Fico com a de Olívia, que fica com a de Arthur, que fica com a minha. Corrigimos, comentamos as respostas e finalmente resolvemos a última pergunta.

Restam 35 minutos para o fim da prova e para início do nosso intervalo de 20 minutos. Me ofereço para passar as respostas a limpo, concentrando meus pensamentos somente aqui, agora. Quero voltar a ter contato com a história de Carolina o mais rápido possível e, nesse momento, relembrando da existência de seu universo, a ansiedade só aumenta.

Passo a escrever na minha melhor letra, cumprindo as exigências do professor. Não é difícil, para ser sincera. Apenas incomoda e são coisas que eu simplesmente não entendo, por exemplo, proibição do uso de adjetivos repetidos em diferentes questões, do "etc" e de pronomes oblíquos. "Desafiador, não é mesmo?".

Vou escrevendo, vendo a ponta da caneta manchar o papel. Olívia está com o queixo apoiado nas mãos e o rosto tem uma expressão neutra. Arthur olha de um lado para o outro, parecendo que não vê a hora disso acabar. Somos dois, estou ficando com fome.

Suspiro, incomodada com o silêncio constrangedor entre nós três.

– Manifestem-se, por obséquio – peço, ainda escrevendo a resposta da questão 6.

– Hm... – Olívia parece pensar em algo – não sei o que dizer.

– Jovem Arthur, – eu o chamo, puxando assunto – tú não eras dessa sala, pelo o que eu me lembre – falo em tom de brincadeira – de onde vieste, meu caro?

– Eu me transferi pra cá esse semestre, senhorita – ele responde do mesmo jeito arcaico que eu, o que me faz rir um pouco– eu era do curso de Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais.

– Ah... – "Hã?" – E o que se estuda?

– Então, é basicamente um curso de Relações Internacionais, Administração, misturado com alguns idiomas – Arthur explica, mais à vontade – era legal, mas não algo que eu queria.

– Você tá gostando do nosso curso?

– Sim, o pessoal daqui é legal – ele apoia os cotovelos na mesa – o povo de Letras é bem mais tranquilo, queria que essa fosse minha sala definitiva.

– Mas não é? – Indago um tanto confusa. Terminando de passar a limpo a questão 7.

– Tem duas matérias... – Arthur tenta se lembrar – não, três, na verdade que são compatíveis. Daí tenho que fazê-las com o pessoal do primeiro semestre.

– Tendi – olho ao redor, vendo que todos estão entregando suas provas – Pera aí – pego o teste e vou rapidamente até a mesa do professor. Entrego e volto para minha mesa.

Quando chego lá, Arthur está se preparando para sair da sala.

– Obrigado por me deixar fazer parte do grupo – ele agradece com um sorrisinho meigo, pega sua mala e levanta-se da carteira – foi bom conhecer vocês.

Nos despedimos. O rapaz vai embora, andando rápido, com os ombros um tanto rígidos e meio encolhidos. Como se estivesse incomodado com sua altura. Olivia e eu ficamos no mesmo lugar. Observo-o ir. "Até o mesmo jeito de andar ele tem...".

Clarice, que não é, LispectorOnde histórias criam vida. Descubra agora