Capítulo 5

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Antonella joga sua bolsa de couro cor de marfim na minha mesa, bem próximo ao meu teclado, e segue andando para sua espaçosa mesa de vidro. É sempre assim. Todo santo dia é assim. Ela chega, cumprimenta a todos com tanta elegância que ninguém imagina o quão instável ela é. A dona da OokBooks Distribuidora acomoda-se em sua escrivaninha e começa a digitar em seu computador da Épple.

Levanto-me de minha mesa, levo sua bolsa até o pendurador de casacos e me dirijo para a escrivaninha,onde sirvo um copo de água. Mantenho a postura ereta, mãos cruzadas à frente do corpo, um leve sorriso.

Trabalhar aqui é uma faca de dois gumes: ganho o suficiente para pagar minha faculdade, meus gastos pessoais e guardar parte na poupança, tenho convênio médico e outros benefícios; mas é psicologicamente desgastante, pois Antonella quer tudo na hora dela e no jeito dela e, minha mãe, que trabalha no financeiro desta distribuidora, não vê este lado de sua chefe, logo, não tenho apoio. A pior parte de tudo isso é o terror psicológico e as ameaças veladas. Faço meu melhor para não errar e não prejudicar minha mãe.

 - Boa tarde, senhora Antonella – digo, com uma voz artificial, supostamente feliz em estar em sua presença – Já encaminhei as remessas dos livros da Editora AmoLer para a livraria da Consolação, marquei sua reunião com o diretor de vendas da Peruanas e sua consulta com o dermatologista – ela ergue seus olhos castanho-escuros para mim, me analisando de cima a baixo – Algo mais em que posso ser útil?

- Sim – ela diz secamente – preciso que você me acompanhe na reunião de hoje. Esteja pronta às 15:30.

- Sim, senhora! – "sorria, sorria" – Algo mais?

- No momento é só isso.

- Sim, senhora.

Me viro para a minha mesa, quando ela me chama novamente.

- Senhora? – "Ah, não...".

- Não venha mais com o cabelo preso – Antonella diz, enquanto digita algo em seu computador – seu rosto parece mais... redondo, com ele assim. – "gorda" é o que ela quis dizer – Boa aparência é o mínimo para o seu trabalho.

- Sim, senhora – mantenho a compostura, mesmo sentindo como se ela tivesse me dado um tapa na cara – obrigada pela observação.

Me retiro da sala e vou para o banheiro feminino. Solto meus cabelos curtos e os penteio com os dedos, tentando deixá-los apresentáveis. Olho meu reflexo no espelho, a maquiagem cobrindo as olheiras e as imperfeições. Essa é a "Secretária Clarice", não sou eu. "Secretária Clarice" não passa de alguém que usa essa máscara de base e blush, uma boneca para Antonella. Respiro fundo. Prefiro meu rosto sem nada disso.

Volto para minha mesa e redijo os e-mails para a dona da OokBooks.

Costumo evitar ao máximo Antonella falar qualquer coisa sobre a minha aparência. Me troco aqui para que minha roupa não amasse ou suje no trajeto, faço a maquiagem mais básica e deixo as unhas sempre aparadinhas e com esmalte claro. Mas o que me frustra são coisas na minha aparência que não mudam com facilidade, que não dá pra mudar passando alguma coisa por cima. Parece que ela tem esse radar de falar sobre coisas que magoam.

De certa forma, eu me acostumei. "Pense nisso como um treino para quando você trabalhar em outro lugar", minha mãe diz, "você tem sorte! Antonella só tem elogios para você! Não seja ingrata! Se ela reclamou com você foi porque você não fez direito!".

No começo, ela te encanta. Encanta com simpatia e elegância, mas com o passar do tempo a cobrança fica maior. "Se vista assim, fale assim, unhas assim, cabelos assim. Sorria! Você e sua mãe tem sorte de trabalharem aqui! Já pensou se ficam desempregadas?!". Repito para mim que é por pouco tempo. Apenas até eu conseguir outro trabalho ou estágio na minha área.

Reviso os e-mails antes de encaminhá-los para a minha chefe.

Mais e-mails chegam, e-mails que ela não quer responder, mas que sou obrigada a fazer para que ela "tenha tempo para coisas mais importantes". Pelo menos, é só até às 18:00. Podia ser pior...

Clarice, que não é, LispectorWhere stories live. Discover now