Primeira conversa com Bernardo
O relógio na parede marca quase onze horas. Deixo minha xícara em cima da mesinha de centro e recosto-me no sofá, ouvindo mais uma das histórias de Lilly.
- Estou sentindo falta de alguém – ela diz e olha para os lados – ah, mocinho! – Lilly chama a atenção de Bernardo, que estava quase dormindo. "Ele é tão quieto que esqueci que estava aqui".
- Me desculpe – Bernardo responde – estou cansado. Só isso.
- Quer subir um pouco para dormir? – Rupert pergunta.
- Aham – ele acena afirmativamente, nos pede licença e retira-se para seu quarto.
Observo-o se levantar. Seus movimentos meio duros, mecânicos, como se ele estivesse se contendo. Volto meus olhos para as xícaras sob a mesa. "Meu pescoço dói", penso enquanto volto minha atenção para os anfitriões.
- A viagem foi bem longa, né? – Sr. Oliver diz, sorrindo levemente.
Aceno positivamente com a cabeça, sentindo meu rosto queimar um pouco por ele ter dito isso tão de repente. "Talvez eu esteja com cara de cansada".
- Já vamos te apresentar seu quarto – Jaqueline diz, colocando o pires na mesa – meninas, vocês não querem mostrar para Carolina seu quarto?
As gêmeas se levantam animadas.
- Tá bom, mamãe! – elas respondem e vem para perto de mim.
- Vamos sair às três e quarenta e cinco para te mostrarmos a cidade, ok? – Rupert me informa.
Levanto-me do sofá, me despeço das pessoas da sala com um sorriso e um leve aceno de cabeça, e Bonnie e Riley me levam pela mão pela minha nova casa.
Saímos da sala, atravessamos o hall de entrada, subimos as escadas cobertas de carpete cinza escuro. No segundo andar, elas me guiam pelo corredor, ao lado direito.
- Esse aqui – a de cabelo solto aponta para a porta de madeira à nosso frente – é o seu quarto. Papai, Riley e eu ajeitamos ele – ela diz orgulhosa, colocando as mãos na cintura. Vejo em seus olhos que elas querem que eu abra logo a porta – aquele no fundo é o nosso – ela indica – e aquele é do Bernardo – Bonnie aponta para a porta que está perpendicular à minha.
- Ok!
Ela vira para o outro lado do corredor.
- Aquele no fundo é o da mamãe e do papai. E aquele outro é o banheiro – a menina indica a porta ao lado.
- Entendi! Obrigada – sorrio e ponho a mão na maçaneta – agora verei o quarto que vocês montaram! – falo de um jeito brincalhão. "Estou começando a me derreter por elas" – vamos de contagem regressiva?
- Yeah! – as gêmeas concordam, seus rostos mostram felicidade e um pouco de ansiedade.
- 5... 4... – começamos juntas – 3... 2... 1!
Abro a porta e adentramos num quarto cor de palha, com móveis marrom-claros. Escrivaninha, uma janela encoberta por cortinas brancas, criado-mudo e uma cama. Minhas malas estão aos pés do armário. Inspiro o cheiro agradável de amaciante.
- Tá tão lindo! – vou até a escrivaninha, onde um porta lápis de metal preto e uma luminária estão.
Volto minha atenção para elas, que estão com um ar orgulhoso.
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Clarice, que não é, Lispector
RomanceClarice é uma universitária de personalidade excêntrica (palavra essa que, segundo ela, lembra russos com bigodes ao estilo Salvador Dalí). Sua vida deixa de ser comum quando conhece Arthur, um colega de classe que é idêntico a Bernardo, o personage...