Capítulo 18

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- ... depois do evento, ele me levou até em casa – Wii conta sobre o passeio que ele fez com Fran no sábado passado. Escuto avidamente, sorrindo de empolgação – chegando em casa, minha vó chamou ele pra jantar com a gente. Foi bem legal – ele tenta esconder sua expressão meio apaixonada – então ele-

- Te beijou?! – deixo escapar. "AAAAAAAH!".

- Não! Pera aí! – ele retruca, na defensiva – a gente é só amigo! – seu rosto fica rosa, quase vermelho.

- Amiiiiigos – cantarolo, provocando – amiiiigos. Wii, você fica tão fofo quando tá apaixonado! Hehehe!

Envergonhado, Wii desvia seu olhar para uma pilha de livros antigos que está ao seu lado.

Lá fora, chove tão forte que a água parece uma densa cortina esbranquiçada. O vento uiva e é possível ver seus rodopios no ar. A rua está alagada e me pergunto se conseguiremos chegar no metrô Clínicas apenas com os sapatos molhados (e sem risco de termos pego leptospirose).

Assim que uma chuva fraca começou, decidimos nos abrigar num pequeno sebo. "Deve ser chuva passageira" pensamos. Bem, pensamos errado. Faz 40 minutos que estamos aqui, folheando livros, revistas, jornais e espirrando por causa da poeira em alguns deles (Rinite 1 x 0 Clarice e Wii), e a tempestade não passa.

Me recosto na poltrona de veludo vinho.

- Tem uma chance dele gostar de você – falo – pelo menos, você é importante para ele.

- O Fran só foi gentil, só isso – Wii usou essa justificativa o dia todo. Mesmo repetindo isso várias vezes, sei que tem esperanças de que não seja apenas gentileza.

- Sim, pelo que a Olívia e você contam, isso faz parte da personalidade dele. Bem, retomando o que você ia dizendo até eu expressar minhas esperanças ansiosas e te interromper...

- Depois do jantar, ele me ajudou a lavar a louça – ele continua e seguro meu sorriso de felicidade. "Cara, ele tá tão na sua" – e nisso o Fran disse que todo ano, no começo de julho, tem uma festa indie-rock nos trilhos da antiga maria-fumaça, perto do Museu Histórico Brasileiro. E perguntou se eu queria ir.

- E você vai, né?

- ...vou...

- Esse "vou" não me soou confiante.

- Eu tenho medo de ir e acabar me iludindo, sabe? – Wii admite – ir nessa festa, ele acabar chamando outras pessoas, ficando com outras pessoas... e eu ficar sobrando.

- Te entendo, meu caro.

Olho bem para seu rosto preocupado. Ele não precisa dizer nada, já sei.

- Quer que eu e Olívia vamos com você – uma afirmação, não uma pergunta.

Wii faz que sim com a cabeça e imita meu sorrisinho quando peço algo.

- Vocês iriam...?

Crispo os lábios. Odeio barulhos altos, gente bêbada, gente trombando em mim, som tão alto que não me deixa ouvir meus pensamentos, gente bêbada que fica trombando em mim, cigarros comuns e de "ervas especiais". Fui uma vez numa festa universitária, perdi a paciência em menos de 30 minutos permanecendo naquela bagunça.

- Por favoooor – ele me imita mais uma vez.

"Tá, esse sacrifício eu faço".

- O que vai ter lá? Além de música indie, bebida alcoólica e-

- Trens antigos que foram desativados, barraquinhas de comida – Wii levanta um dedo para cada item – karaokê, pelo o que o Fran falou, lá é beeem grande, os vagões vazios podem ser visitados.

Meneio a cabeça. Vagões vazios são interessantes.

- Quanto é o ingresso? – pergunto.

- Uns 20 reais, se não me engano. Se levar 1 quilo de alimento não perecível, eles diminuem pra 15. Eles levam os alimentos para a ong que fica sob proteção do Museu Histórico Brasileiro.

- Ainda é por uma boa causa. Interessante. Quando é?

- 13 de julho. No Dia Mundial do Rock.

- Hm... – pego meu celular e verifico na agenda se vou ter alguma coisa nesse dia – é, vou te fazer companhia dia 13.

- Você é uma criatura maravilhosa, Lice! – Wii responde entre feliz e aliviado.

- Eu sei, hehehe! – brinco – tenho que aproveitar a juventude enquanto Antonella não suga a minha alma!

O semblante de Wii fica ligeiramente preocupado.

- Tá muito ruim? – ele pergunta.

- Nah, tudo bem. Já passei por coisas piores – rio.

Volto a olhar para a entrada do sebo. A chuva se tornou uma garoa, mas as valetas ainda parecem um rio. Um ônibus passa e a água esguicha para a calçada.

Wii me observa: "Se quiser falar, estou aqui". Não quero que o clima fique pesado.

- Você já tomou Spiced Pumpkin Latte? – mudo de assunto.

- É do Stelarbucks? Já ouvi falar.

- É uma bebida sazonal, né? Queria provar – sento mais na ponta da poltrona – queria provar. Eu não gosto de abóbora, mas isso é por propósitos narrativos.

- Por "propósitos narrativos", você quer dizer história ou algo do tipo? – Wii inclina levemente a cabeça, interessado.

- Wii... – pergunto hesitante – lembra de quando eu disse que escrevia uma história quando eu era adolescente?

Ele faz "sim" com a cabeça.

- Vou voltar a escrever e... eu queria saber se você leria o que eu escrevo.

- Leio, sim – Wii sorri – é sobre o que?

Faço um breve resumo sobre a história de Lina.

- ... e agora, vou escrever o capítulo 13 que se passa na época do Halloween. Só que preciso de referências de algumas coisas, porque meu erro anteriormente foi escrever-descrever o pensamento dos personagens. Eu me preocupava com isso e deixava de lado coisas importantes como a cultura de lá.

- Entendi, vou ler!

- Só pra avisar, é beeem água com açúcar e, até onde eu lembro de ter pensado, é clichê.

- Eu gosto de coisas "água com açúcar".

- Heheh – adiciono mais uma informação – se eu perguntar coisas muito estranhas, seja sobre questões geográficas, comportamentais, biológicas, românticas, etc. é apenas para propósito narrativo, tá? Juro que não vou cometer nenhum crime ou algo do tipo.

- Justo – ele se levanta e olha para a porta – quer "cometer o pecado sensorial de ficar com as meias encharcadas?"

Levanto-me da poltrona. A chuva virou garoa.

- Não pegando leptospirose, minha pessoa aceita!

Clarice, que não é, LispectorOnde histórias criam vida. Descubra agora