Sexta-feira,
Hora do lanchinho.
Quando eu era mais nova, a hora do lanche era a hora de sair correndo da sala de aula. Porém, os universitários chegaram à belíssima conclusão de que: a hora do lanche é hora de dormir, ficar na sala de aula, ouvindo música.
Lá fora está um belo dia (Não tão lindo, no meu conceito). Quente, ensolarado e céu azul. Estou na sala de aula, com o ar-condicionado ligado. A luz do sol invade o recinto, atravessando as longas cortinas cinzas.
Eu poderia estar lá fora. Até porque não consigo dormir, não quero ouvir música e só quero voltar pra casa pra ler os contos de Nile Gaiman. Me estico sobre a mesa e bocejo preguiçosamente. Olho para um lado, depois para o outro. "Meu Nile Gaiman...".
Olívia saiu para pegar um livro na biblioteca. Poderia ter ido junto, gosto de lá. Mas atravessar o campus num dia muito quente é algo muito pesado para a minha pessoa. E... também tem gente! "Os seres humanos que estão na sala contigo não são gente, então?".
Apoio o queixo nas mãos e olho para os grupinhos formados. Atrás de mim, Georgia está lendo "Lola e o Vizinho". Sinto vontade de conversar um pouco, mas atrapalhar a leitura de alguém é quase um crime. Bocejo de novo e deito minha cabeça na mesa. "Você poderia continuar lendo a sua história, não é?". Ahn... Que preguiça.
A porta se abre e levanto o rosto, com a esperança de que seja Olívia. Arthur entra, parecendo que acabou de cair da cama. Seus cabelos cacheados estão meio bagunçados e seu olhar, cansado.
- Bom dia, jovem – eu o cumprimento.
- Bom dia – ele responde – tudo bem?
- Aham. E com você?
- Com sono, mas tô bem.
Ajeito minha postura e dou um leve sorriso. Arthur olha para mim e depois para as carteiras ao meu lado. "Será que ele quer sentar aqui?".
- Quer se sentar aqui por enquanto? Acho que Olívia não se importaria – eu o convido.
- Ah, não! – responde sem graça – não precisa.
- Tudo bem.
Arthur continua parado na minha frente, com a mochila pendendo pesadamente em seus ombros. "Será que ele está procurando um lugar para sentar?". Olho para os lados e para trás. Uma boa parte das carteiras estão ocupadas por outros estudantes, uma ou outra com mochila para marcar que tem alguém lá.
Tem um lugar vago à umas 3 cadeiras atrás de mim. "Será que ele viu?". Volto minha atenção para o jovem. Dessa vez, percebo que ele não estava olhando para os assentos, mas sim para mim. Seus olhos negros parecem meio sem brilho, extremamente cansados, vazios. Seu rosto está sério – diria deprimido ou sonolento, ou os dois.
Encaro-o de volta. Apesar de estarmos próximos, sinto como se Arthur nem estivesse lá. Como se eu estivesse frente a frente com uma estátua. "Ele não parece estar vendo nada".
- Jovem? – eu o chamo, porém não tenho resposta. Sua expressão continua abatida – Arthur? Tá tudo bem? – a preocupação começa a aparecer. "Pelo amor de Deus, não desmaia não!".
- Aham. Desculpa. – Arthur reage e dá um meio sorriso artificial – eu dormi acordado. Foi mal. Vou ficar ali atrás.
Ele dá uns dois passos e me manifesto. Arthur para, evitando olhar para mim.
- Você não me parece bem não. Não quer ir pra casa? Eu te mando a matéria depois.
- Não precisa...
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Clarice, que não é, Lispector
RomanceClarice é uma universitária de personalidade excêntrica (palavra essa que, segundo ela, lembra russos com bigodes ao estilo Salvador Dalí). Sua vida deixa de ser comum quando conhece Arthur, um colega de classe que é idêntico a Bernardo, o personage...