grata que você é meu

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Ela sempre foi vaidosa, bonita, e sabia disso. Porém, não seria hipócrita de ignorar o fato de que o elogio de Stenio mexeu com ela. Isso porque durante toda a longa história deles, o advogado sempre a elogiava quando ela mais precisava, sem nem saber disso. Um elogio a uma ação dela na polícia, um elogio ao raso cardápio que ela era capaz de fazer sem intoxicar os dois, um elogio quando ela acabava ficando um pouco mais displicente nos treinos e a idade cobrava, adicionando um ou outro registro de que seu corpo estava envelhecendo.

Ele sempre sabia.

E Heloísa estava em uma dessas fases, não sabia dizer se o que ele disse foi apenas um charme inerente a ele, ou se o homem realmente quis dizer aquilo.

Ela foi dormir com um sorriso enorme. Ao deitar ao lado de Maria, com os pijamas combinando, como a neta sempre gostou de fazer, encontrou a garota sorrindo, os olhos brilhando, como se o sono que ela estivesse sentindo não fosse o suficiente para acalmar a mente e descansar.

— O que foi, querida? — Heloísa perguntou em tom baixo, calmo, coisa que a noite pedia.

— A senhora ficou feliz em ver meu avô.

— É bom saber que ele está vivo, não se meteu em nenhuma roubada sem mim esses anos todos, sabe como ele é. — a delegada brincou, deitando a cabeça no travesseiro, virada para a menina de olhos verdes expressivos.

— Ele estava muito feliz em ver a senhora.

Um sentimento que ela nunca pensou que fosse voltar a ter na vida tomou conta dela. Aquelas borboletinhas de adolescente, de primeiro amor, o tipo de coisa que ela só sentiu com Stenio. Ele era seu primeiro amor, aparentemente o único, pois em todo o tempo que estiveram separados nessa vida, ela nunca chegou aos pés do altar como ele fez com Bianca, por exemplo, e apesar de ter os seus casos, ela nunca foi capaz de se abrir tranquilamente para engatar em algo sério.

Por isso, seus sonhos, suas borboletas, suas lágrimas, tudo tinha a assinatura e os carinhos de Stenio Alencar.

E a constatação disso não era tão ruim assim.

— É claro que sim, querida. Fazia muito tempo.

— Por que? Por que vocês se separaram? — Maria perguntou com a seriedade de uma mulher adulta.

Isso fazia Heloísa se lembrar que sua menininha estava crescendo, cada dia mais rápido, cada dia mais esperta, captando coisas que aos 5 anos ela não fazia ideia. O medo tomou conta da delegada, de repente ser descoberta como uma farsa, uma avó ruim, uma mãe péssima e uma esposa desconfiada, que um dia ela descobrisse tudo que Helô já falou para os outros sem se importante se iria doer ou não. Maria era uma página em branca para a delegada começar de novo, começar mais calma, começar mais atenta, coisa que não conseguiu fazer com Drika por própria imaturidade da idade e da inexperiência em âmbito familiar.

Como diria para sua neta que seu grande medo de se relacionar, sua agora tratada compulsão por compras, e sua necessidade de se resolver sozinha vem de uma passado distante onde Heloísa foi abandonada pela mãe, onde passou necessidades com o pai, onde, por ele ter que trabalhar muitas horas, estar em luto pelo abandono da esposa, deixou de lhe dar carinho e suporte, fazendo com que tudo ela tivesse que resolver sozinha. Os dentes que caíram e ele não viu, as roupas que ela lavava e passava quando chegava da escola para não ir suja no dia seguinte, a primeira menstruação onde ela andou com pedaços de toalha na calcinha por medo de incomodar o pai com seu problema feminino.

O carinho na infância de Heloísa foi extremamente escasso, e a figura materna era uma mulher ruim que foi embora sem olhar para trás.

Dizer que tia Cotinha salvou sua vida era quase um eufemismo.

Chão de Giz Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon