chão de giz

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Não, ela não se afastou.

Na verdade ela não conseguiu sair do lugar. Creusa entrou no quarto para entender o que estava acontecendo e percebeu a dificuldade de Stenio. Dividindo o olhar entre os dois, a mais velha se aproximou do homem e o ajudou do jeito que dava. Tiraram a camiseta dele, que vinha com as marcas de sangue seco.

— Calma aí, Dotô Stenio, eu vou na caixinha de remédio ver se acho alguma coisa para passar aí.

Heloísa pareceu sair do transe ao ver Creusa sair dali. Foi até a gaveta do outro lado da cama, vasculhando entre papéis velhos atrás do tubo de pomada conhecida. Olhou para as costas de Stenio, respirou fundo. Se aproximou dele, vendo como o homem tremia. Seu dorso estava cheio de hematomas, tons de roxo, verde e amarelo se espalhavam pelo corpo fragilizado. Ela olhou nos olhos de Stenio, o encontrou ali.

Os olhos escuros pediam para ela ir embora, mas Heloísa jamais conseguiria se afastar dele. Nunca mais.

— Eu não vou sair. — ela falou simplesmente, mostrando a pomada para ele. — Eu tenho isso, eu sei que ajuda, mas se o aspecto piorar eu vou ter que te levar no médico...

Stenio olhou para a pomada e logo em seguida para ela.

— Você usa essa pomada quando toma tiro de raspão... você tomou algum tiro nesses últimos tempos? — a voz dele conseguia ser trêmula, por suas próprias dores, e dura, pela própria raiva que ele tinha quando ela se colocava em perigo.

— Há alguns meses, mas não importa mais.

Heloísa abriu o tubo, colocando um pouco da pomada nos dedos.

— Posso? Ou ainda me quer longe?

Como Stenio poderia pedir para ela se afastar se nos últimos dias foi a memória da voz dela que o guiou pelo inferno? A queria longe porque sua mente se acostumou com a ideia de que jamais voltaria a vê-la. Tinha se acostumado com a morte, com o solitário do cativeiro. Tinha se acostumando com nunca mais ver a neta e seu olhar brilhante em esmeralda, e por isso gritou em pânico ao vê-la, pois por um instante pensou estar lá ainda, é que ela pudesse estar em perigo com ele.

— Pode. — ele respondeu simplesmente.

Deu suas costas para ela, apertando os lençóis com força. Ele não dava a mínima se parecia fraco, chorou e reclamou de dor, mesmo que os dedos da delegada fossem os mais delicados possível.

— Provavelmente não vai querer molhar isso hoje, mas amanhã vamos precisar limpar antes de passar mais creme. — ela parou por um instante. — Não quer ir no banheiro? Desde que chegou não vai.

Ele a olhou sem graça, sem jeito, sem ter ao menos onde olhar. Heloísa respirou fundo, para um ex casal que nunca deixou de ser casal durante 30 anos, ele estava cheio de reserva.

— Creusa! — ela gritou, assustando o homem. — Vem cá, me ajuda aqui!

— Heloísa! Eu não vou fazer xixi na frente da Creusa!

— E qual o problema?

— Helô!

Creusa entrou no quarto de novo, pronta para o serviço. Quando Stenio não fez menção de se levantar, a maranhense deu risada.

— Deixa disso, homem. Cuidei foi de muito doente lá na beira do rio!

Heloísa o puxou pela mão com cuidado, o ajudando a ficar em pé. Creusa foi dando o auxílio e conseguiram chegar no banheiro da delegada sem problemas. Creusa ficou parada na porta virada para o outro lado, na tentativa de dar alguma privacidade. 

— Se você quiser a gente coloca uma fralda. — Helô falou enquanto olhava para ele. 

— Para. — ele resmungou. 

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