para que fui feita?

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Foi Stenio que acordou primeiro. Pela primeira vez no que parecia muito tempo ele dormiu em paz. Seu coração não estava acelerado, suas mãos não suavam e seu corpo não estava frio. Na verdade, estava bem quente. Sentia um peso em seu peito, um peso bem vindo. Uma perna sobre as suas, esparramada. O braço por cima dele, o abraçando, o segurando.

Stenio estava envolvido por Heloísa Sampaio em todos os seus poros, neurônios, aura. Tudo.

E a vida era boa novamente.

Ele estava falando sério quando disse que na hora da morte a gente só conseguia pensar nas coisas boas. Todas as brigas em 30 anos com Heloísa fugiram da sua mente. Só via seu sorriso, o jeito como os olhos dela apertavam cada vez que ela sorria. Ele era completamente apaixonado pelo sorriso dela. Depois pensava em todas as vezes que ela nunca falhou, como ele morria de orgulho de todas as prisões, até aquelas em que ele teria que intervir.

Abriu os olhos devagar, virando o rosto até encarar aquela visão. Heloísa dormia profundamente como nos velhos tempos.

Tempos em que ele não estava cansado.

Ele tinha certeza que nunca mais estaria cansado na vida, não depois de tudo que ele passou naquele cativeiro. Não depois de tudo que Heloísa fez por ele.

Ele estava cansado de ser idiota, se pudesse dizer.

E atrasado, perdido no tempo e espaço.

Sua mente dissociou de sua realidade. O antigo Stenio ficou naquele cativeiro, e aquele que ele encarava no espelho do quarto da delegada era só uma sombra. O antigo Stenio achava que valia a pena seguir em frente sozinho, o novo Stenio queria se agarrar em tudo que ele conhecia.

Acariciou os fios longos com os dedos. Respirou fundo, absorvendo o cheiro dela.

Sentiu o corpo dela mexer, tensionar e então relaxar.

— Para de me olhar, Stenio. — ela falou calma, rouca, e arrancou um riso dele no mesmo tom.

— Como você sabe?

— Faro. — ela falou, abrindo os olhos, se afastando do peito dele.

Stenio observou ela se apoiar no cotovelo, o olhando.

— Como veio parar aqui? — ele perguntou.

— Você teve um pesadelo, não lembra?

O advogado desviou o olhar.

— Pensei que eu já tivesse acostumado. — ele falou.

Heloísa tocou o rosto dele, puxando a atenção dele, o olhar.

— As memórias provavelmente nunca vão embora, Stenio, mas você pode lidar melhor com isso. Pode fazer terapia, ajuda.

— Você? Falando em terapia? — ele perguntou, estranhado.

Heloísa revirou os olhos.

— Dizem que funciona. — ela brincou, mas logo voltou ao semblante sério. — Acho que valeria a pena.

Ela sentou na cama e prendeu os cabelos. Ainda era a mesma rotina de sempre. Agora ela levantaria e iria até o banheiro, voltaria para pegar alguma coisa no quarto que ela sempre esquecia, lavaria o rosto, escovaria os dentes, entraria no banho.

Ele sorriu por reconhecer alguma coisa.

Heloísa o encontrou sorrindo quando saiu do banheiro para pegar o creme novo que tinha esquecido.

— O que foi?

— Você continua a mesma, Helô.

Ela encolheu levemente, rindo de nervoso.

Chão de Giz Where stories live. Discover now