[01] DÉMON AUX YEUX SCALÉS

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✢ Demônio de Olhos Escarlates ✢

Automne 1881

Outono de 1881


Lírios-brancos eram as suas flores favoritas, da mesma forma que também eram as minhas, tínhamos algo em comum além do mesmo gosto para flores, nos amávamos incondicionalmente.

Eram. Tínhamos. Amávamos. O passado parecia ainda um presente atordoante.

Ela amava observar o primeiro dente-de-leão desabrochar em branco. Gostava de ver a simplicidade das flores em tons cítricos. Era devota dos raios quentes daquela estação colorida.

A terra, antes avessada pela enxada, agora era lar de diversos pequenos botões de uma flor fina e delicada no tom alaranjado. O capim crescia rasteiro e pontiagudo em direção ao céu azulado no início daquela manhã abafada de novembro. A pequena cruz fincada ao solo já tinha os seus pregos enferrujados, contudo poderia garantir-lhe que ainda existiam alguns pedaços da minha derme extirpada das minhas mãos durante as marteladas que proferi ali outrora.

Deitei-me sobre a grama, ao lado do que era o túmulo de minha esposa e filho, este que nem ao menos observou a luz do sol que a sua mãe tanto amou. Não pude presenciar se seus olhos seriam parecidos com os meus, tão azuis como duas pequenas safiras brutas — como ela costumava dizer —, ou se eram arredondados como duas pequenas bolas de gude. Uma doença maldita os levou dos meus braços sem ao menos um aviso. Em apenas uma semana, a mulher forte e com a barriga protuberante de seu sétimo mês de gestação definhou em nossa cama.

No último dia de vida, ainda em meus braços enquanto cantarolava uma canção qualquer próximo ao seu rosto, avistei, no marasmo agudo de seus olhos, todo o seu brilho se apagar. Esvaindo-se com o seu último suspiro. Naquele fatídico dia, assim que a arrancou de mim, a morte fez nascer, de dentro das minhas entranhas, o dissabor de não compreender o ardil que o destino havia arquitetado a mim.

Pequenas gotículas de suor começaram a brotar em minha testa, escorrendo pelo meu rosto e fundindo-se com as lágrimas tão salgadas quanto. O calor aquecia minhas vestes encardidas de poeira e vinho seco, aumentando um tanto o odor forte de quem não tomava um bom banho fazia alguns dias.

Na noite anterior ao segundo mês de seu falecimento, estava caindo pelos cantos da pequena cidade. Desejava que a minha eterna companheira, vulgo a morte, logo me levasse. O fato era que a sua presença penosa não me atormentava mais, outrossim, de forma efêmera como a vida, não possuía a coragem de quem atira com um revólver no centro da testa. Já não me conheciam como o único filho da família Jeon, e sim como o viúvo condenado.

Tão jovem e bonito, perdeu a esposa para essa doença maldita... Pobre coitado, ouvi certa vez de uma senhora de vestes pomposas e chapéu maior que sua cabeça. Vive bêbado, caindo pelos cantos e pagando prostitutas para sarar a dor, ouvi do rapaz de pele encardida de fuligem. Ao seu lado, um senhor de cabelos grisalhos, com uma barriga do tamanho de uma melancia, negava com a cabeça, e logo completou o comentário do outro: Na minha época, iríamos arrumar outra esposa para dar filhos... Com o tamanho da fortuna que o pai deste deixou... Não pensaria duas vezes antes de engravidar a primeira moçoila que aparecesse.

Duramente, ele não estava errado. De fato, aquelas seriam as mesmas palavras utilizadas por meu pai. Que Deus o tenha onde estiver. Com todo o respeito que me havia ensinado duramente por toda infância, entre berros aos pés das orelhas e beliscões nos braços, teria que opor sua opinião. Afinal, quem iria conseguir preencher o buraco enorme em meu peito deixado pela perda de Jeon Jihyun, a única que me cativou? Ninguém. Apenas ela curaria a enfermidade que me assombrava naquele momento.

DRINK FROM ME ༌ JIKOOKWhere stories live. Discover now