8 - INDIO DESCONFIA DA MINHA SANIDADE MENTAL

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Amundos faz um drama. Gente, foi só o príncipe do país que foi sequestrado com a maior facilidade por um animal irracional. Nenhum problema nisso. Super normal. Apesar de achar que ele estava fazendo tempestade numa tampinha de garrafa, eu estava curioso para ouvir o que ele ia dizer. Se o treinador fosse revelar o motivo real da guerra, eu até pagava pra ver.

No caminho para as barracas, meu olhar se encontrou com o de Patagona e passou um raio entre nossos rostos. Tinha uma treta muita feia entre nós também. Eu lembro até hoje do dia em que eu estava dormindo lindo e maravilhoso e ela e suas subordinadas, na surdina, invadiram a minha barraca e pintaram meu cabelo de vermelho. Quando eu acordei, estava que nem um palhaço e o campo inteiro de treinamento caiu na gargalhada. O pior de tudo é que eu ainda levei uma advertência do treinador por estar com a aparência rebelde. Ele disse que não podia ser parcial só porque estava lidando com o príncipe e que eu, ali, era apenas mais um aprendiz. 

Depois, Indio me contou que naquela hora estava acordado e viu umas sombras entrando na minha lona. Foi assim que eu descobri. Tudo bem que, no dia anterior, eu tinha esfregado a cara dela no vaso sanitário, mas, cá entre nós, nada justifica tamanha maldade contra alguém da família real. Se eu fosse o rei, expulsava ela do planeta, mas, infelizmente, meu pai era mais maleável. Uma pena, mas enfim.

Depois de eu apresentar minha barraca ao Raphael, nós fomos caminhando até o centro do estádio. Eu estava contando essa história para o anjo e ele estava flutuando acima de mim, segurando a barriga de tanto rir. De repente, a gente deu de cara com Indio e tentei fingir que não estava falando sozinho.

— Cara, que bom te ver. Eu tava te procurando lá no meio do mato. Passou até uma carroça e eu já pensei: "Gente, mataram o Iogo e esconderam o corpo dele lá dentro!". Foi um desespero só.

— Indio, você é muito catastrofista.

— Catastro-quê?

— Ah, Indio, tô sem paciência pra explicar. — eu disse. — Já cheguei no meu limite depois de tudo que aconteceu hoje. Eu fui parar lá no rio Pardo, tive que encontrar o caminho de volta sozinho e, quando eu pensei que tudo ia ficar bem, a Patagona me derrubou em pleno ar e eu fui parar numa lata de lixo.

— Ah, — uma lâmpada acendeu na cabeça dele. — é por isso que agora pouco tinha gente comentando que viu você revirando a lixeira...

Meus olhos chamejaram. Com certeza, Pata devia estar espalhando pra todo mundo do incidente no lixo. Eu já tinha má fama entre os meus colegas e, com isso, só ia piorar. Aquela garota...

— Relaxa, Iogo, o que é dela tá guardado. Eu tô preocupado mesmo é com esse anúncio do treinador. Será que é algo muito sério?

— Calma, não deve ser nada demais. — eu o tranquilizei. — O treinador é muito dramático, isso sim.

Enquanto isso, Raphael observava tudo com curiosidade e em silêncio. A gente estava se saindo muito bem em escondê-lo dos aprendizes. Até que Raphael estragou tudo quando observou algo diferente em mim.

— Calma, Iogo, não se mexe. —Raphael disse, me avaliando como se eu fosse um ser exótico. —Tem um negócio preto na sua testa.

Negócio preto igual a mosca. Mas, antes de eu poder protestar, Raphael foi tirar e me deu o maior tapão. Eu quase caí pra trás. Não ia deixar ficar assim. Pra me vingar, eu comecei a dar golpes invisíveis no ar. Naquela hora, eu até esqueci da existência do Indio. O menino piscava os olhos, incrédulo, como se constatasse que o sequestro afetou gravemente minha sanidade mental.

— Iogo, o que cê tá fazendo?

Então, eu parei, todo vermelho.

—Hã... nada. Eu sou assim mesmo, às vezes dá umas convulsões estranhas nos braços e eles ficam se contorcendo. Sabe, — arrumei uma desculpa pra fugir da situação.— Eu vou ter que ir agora, cara. Eu ainda tô enjoado de hoje cedo. Acho que eu tô com tosse e diarreia. Combinação grotesca. Tchau.

Eu ia me virar e sair andando pelo lado oposto, mas Indio me agarrou pelo ombro e, se tivesse uma parede, ele me colocava contra ela.

—Iogo, o que deu em você?

—Então, por que não conta pra ele, Iogo? — Raphael disse. — Ele parece ser legal.

Assim que ele falou legal, eu analisei Indio para ver se ele encaixava nessa definição.

—Tá bom — eu cedi e, então, cinco minutos depois, eu desembuchei a história toda.

Acredita que Indio demorou um tempão pra acreditar? Ele ficou convencido de que minha sanidade mental havia sido comprometida durante o voo com o ágalo. Isso até eu mandar o anjo ficar totalmente visível e fincar os pés no chão. 

O garoto, então, caiu no chão, abriu a boca e deixou escapar um dos seus gritinhos agudos. Eu hesitei um pouco em fazer aquilo porque a última vez que eu contei um segredo pro Indio, ele foi parar no planeta Oyoche de tão fofoqueiro que ele era. Só que, como esse segredo era difícil de acreditar, se ele abrisse a boca, ia ser a minha vez de acusá-lo de loucura. Brincadeira. 

Indio não valia a monocelha que tinha na testa, mas naquela hora valeu um voto de confiança.

Anjo das ÁguasWhere stories live. Discover now