27 - O MUNDO DAS ÁGUAS COLORIDAS

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Com certeza, o anjo pensava que caso me deixasse para trás os caçadores iriam simplesmente ganhar na loteria. Afinal, eu sozinho já valia mais que qualquer tesouro no rio.

Meus olhos se arregalaram. Acho que eu nunca tinha visto Raphael tão desesperado. Na superfície, ele ficava besta cada vez que se deparava com o desconhecido, mas dessa vez, para ele, não havia surpresa. Ele estava em seu próprio território e conhecia o lugar como a palma da sua mão.

Ainda assim, eu fiquei impactado me perguntando que consequências os intrusos iam sofrer por estarem invadindo território estrangeiro, como o anjo me disse num dos primeiros capítulos dessa história.

No entanto, não tive tempo nem de fazer perguntas, porque Raphael continuou sua jornada, como se estivesse apostando corrida com os invasores.

Enquanto ele nadava na velocidade de um míssil, eu ia ficando para trás. Isso até que eu vi filetes azuis envolverem minha cintura me puxarem para o mesmo ritmo de Raphael. Odeio admitir, mas tratando-se de água, eu era mais devagar que uma tartaruga em câmera lenta. Por isso, Raphael fez o papel de cavalo e eu, do príncipe em cima de uma carruagem real.

Olhei para trás e ainda nem sinal dos intrusos. Aliás, outra coisa chamou minha atenção. Naquela região do rio, a cor era um verde e eu conseguia ver peixes pequenos nadando suavemente, só que eles pareciam se arrepiar quando nos aproximávamos, como se abrissem alas para nós. A curiosidade foi maior do que eu. Quando me desvincilhei de Raphael para investigar o universo ao meu redor, eu bati a cabeça numa barreira. E foi assim que eu descobri o primeiro segredo do rio colorido.

Raphael não era um ser livre. Por mais que o lugar onde o anjo e seus pais morassem fosse imenso, tinha limitações rígidas e palpáveis. Era quase como se eles vivessem num aquário gigante e eu estava ali batendo a cara contra o vidro. Só que além do vidro havia um aquário ainda maior, mas eu não conseguia distinguir nada de diferente. Só tinha peixes, corais, algas e a imensidão azul. Era uma fronteira.

Eu nunca tinha ido ao fundo do mar. Será que aquilo era algo natural? Será que só dava para ultrapassar aquele campo de força pela superfície? Ou ele era obra de alguém?

— Raphael, o que é isso?

— Iogo — ele olhou para trás. — Sai daí, você pode se queimar.

— Como assim? Por que tem uma barreira aqui? O que tem lá?

— Aqui é o fim de Aquari. Lá não tem mais nada. Não que a gente saiba.

Mas então eu senti o corpo eletrizar, uma queimação, um estalo que me arremessou longe. Só senti o impulso pra trás diminuir quando Raphael deu um salto e me pegou.

— Eu avisei, Iogo, se você se machucar de novo por desrespeitar as regras de Aquari, vão te botar pra fora.

As folhas no fundo do rio nasciam das brechas das pedras cobertas de musgo e pareciam se inclinar após a nossa passagem quando a gente passava por elas como um flash.

— Raphael, espera! — eu reuni forças para verbalizar meu pensamento.

— O que a gente está fazendo? O que está acontecendo aqui?

— Iogo, não temos tempo — o anjo não olhou para trás continuou focalizando no alvo.

— Se não fugimos agora, os intrusos vão seguir o nosso rastro e encontrar o lugar onde eu moro.

— Mas eles não disseram que estão atrás de um tesouro? Por que seria perigoso eles acharem a sua casa? Vocês escondem um tesouro aqui mesmo?

Agora, eu fiquei curioso.

— Iogo, as perguntas vão ter que ficar para depois. Entraremos agora em outras águas. Chegamos ao limite do rio Pardo com o oceano. Pegaremos um atalho e, a partir dali, tudo ficará um breu completo. Não se desespere, apenas siga minhas instruções. Quando chegarmos a um lugar seguro, eu vou te explicar tudo.

Foi aí que eu senti quase como se a gente saísse de uma casa aquecida para uma rua fria. A mudança de temperatura, de luminosidade e de densidade fez com que meu estômago embrulhasse. Por pouco eu não vi o meu jantar pela segunda vez aquela noite. Contudo, uma luz dourada saía do rosto de Raphael iluminando o ambiente nosso redor.

Mais na frente, Raphael parou e os filetes azuis se desenroscaram da minha cintura. Ele fitava um fenômeno estranho abaixo de nós. Algo que eu nunca tinha visto. Havia duas correntes de água gigantes se entrecruzando como duas linhas de trem em forma de cruz. A grossura dela era de dois metros de diâmetro e parecia um cilindro se estendendo indefinidamente através do oceano. Os peixes evitavam as correntezas e pairavam bem acima delas numa zona neutra e segura. Pena que nós não iríamos seguir o exemplo deles.

— Iogo, é por ali — Raphael apontou. — Me siga e entre exatamente na região em que eu entrar.

— Tudo bem, eu acho.

— Mas o que eu vi a seguir me tirou o fôlego.

O anjo nadou em direção ao cilindro e quando seu corpo foi engolido por ele, num piscar de olhos, ele desapareceu. Foi então que percebi que os filetes que fluíam do corpo de Raphael não me atingiriam mais. Se eu demorasse a agir ou perdesse o anjo de vista seria um pulo para morrer afogado. Assim, eu tomei impulso para perto da corrente.

No entanto, quando meus dedos quase tocavam a entrada do atalho, me senti sugado por uma espécie de motor gigante. Eu queria segurar em alguma coisa ou gritar socorro para os quatro oceanos. Mas um segundo depois, a água me puxou por inteiro e eu mergulhei na escuridão. 

Anjo das ÁguasWhere stories live. Discover now