Judith

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Eu não posso deixar de errar na escuridãoPorque estou sendo vencida nesta guerra de coraçõesEu não posso deixar de querer que oceanos se partam

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Eu não posso deixar de errar na escuridão
Porque estou sendo vencida nesta guerra de corações
Eu não posso deixar de querer que oceanos se partam

War of hearts




Todos os anos em que esteve na sombra de sua irmã mais velha foram anulados quando os olhos dele concentraram-se nela pela primeira vez em toda sua vida. Mesmo distante e com pouca iluminação natural, ela via as faíscas nos olhos esverdeados. Desejou atravessar todas aquelas pessoas para poder toca-lo uma única vez. Não importava se fechava os olhos, pois sempre o via, e sabia que a escuridão completa não seria o suficiente para se vê longe do homem que amava.

Ela sonhava em casar-se com ele naquela igreja. No mesmo lugar em que perdeu o controle e quis tirar a própria vida. Realmente não importava se dormiria na mesma cama de um suicida, pois preferia uma vida breve a nenhuma.

Judith possuía a aparência angelical que todas as meninas buscavam, pois a inocência chamava as más reputações. Seus olhos avelãs eram grandes e profundos, repletos de incertezas juvenis que ninguém podia solucionar sem leva-la ao pecado. Todo domingo caminhava até o púlpito para receber o que merecia por ser uma boa menina, e retirava-se na direção do seu lugar sem tirar os olhos do homem que amava.

Mesmo distante, sentia que seria capaz de ser corrompida apenas com o olhar avassalador.

Amar um monstro doía como o inferno, porque ela não era a única.

Sua irmã gêmea também o amava.

Eva.

A bela Eva de cabelos castanhos e olhos marcantes. Eva que representava a primeira e única esposa. A mulher que ouviu a cobra e tentou o próprio homem por poder. Eva que raramente deixava de lutar pelo que queria.

Eva que sobressaia quando estava ao lado de Jude.

Bastava que as atenções estivessem em Eva, para que Jude fosse esquecida com seus longos cabelos dourados inegavelmente incomum. Seus pais a ignoravam quando a filha favorita abria a boca com seu tom submisso, e ela sempre usava palavras difíceis que Jude não compreendia, fazendo com que se sentisse uma tola em meio a todos os outros, principalmente Eva.

Apenas uma delas estaria na faculdade no futuro, e teria um bom marido. Jude provavelmente tivesse sorte em encontrar um homem que não a fizesse chorar tanto quanto seu pai ausente. Não conseguia sonhar com um futuro prospero, pois seus pais só viam algo promissor em Eva, pois era a única filha que realmente desejavam ter tido.

A drástica mudança nas atenções fez com que Eva suspeitasse da irmã, porém Jude ignorou a sensação que a arrepiou da cabeça aos pés. Era apenas um menino bonito a ignorando, não precisava de tamanha frieza e crueldade. Alguém a considerava bonita dentre todas, principalmente Eva.

Charles a achava bonita.

Muito bonita.

O suficiente para segui-la com o olhar a missa inteira.

Sempre perdia as guerras contra sua irmã alguns minutos mais velha. Seus braços ficavam vermelhos de arranhões, a cabeça doía por causa dos puxões e suas bochechas coravam por causa dos tapas estalados que recebia. Os longos cabelos dourados se tornavam cortinas no rosto delicado, escondendo o filete de sangue que escapava do corte localizado na sobrancelha.

— Judith não! Judas!

As acusações eram mais do que podia suporta.

Jude lamentava o dia em que sua mãe rezou para uma garotinha. Bastava que apenas ela existisse, e não Eva.

Judith.

Jude.

Judas.

Quem se importava?

Soava igual.

Quase se via daquela maneira.

Pendurada por uma corda porque se arrependia por ter traído a pessoa que sentia inveja.

Mesmo se tentasse, não seria como Eva, pois ela era a primeira mulher. Sua beleza era incomparável de tão superior, completamente hipnotizante. Da cabeça aos pés, a perfeição de Eva berrava para os quatro cantos da terra, e sua virgindade faria com que tivesse qualquer homem, porque eles já sonhavam em se tornar dela.

No entanto, o homem que ela queria, olhava exclusivamente para Jude.

A irmã menos desejável.

Então não importava quantas vezes sua cabeça batia contra a cômoda do quarto cor de rosa, porque sempre seria Jude.

No fim das contas, ser a preciosa Eva não era tão interessante, porque Jude sangrou por Charles quando ele pediu. Os dois se beijaram na escuridão de um automóvel, e ela lhe deu tudo como se fosse à última vez, porque era. O mundo de Eva despencou do ponto mais alto e, suas mãos não conseguiram segurar por muito tempo o corpo da irmã mais nova, no qual rolou pela escadaria principal da casa.

O mesmo sangue que estivera em Charles, manchou o chão frio. O precioso tom escarlate coloriu as madeixas pálidas de Jude, criando a mais bela pintura que dividia opiniões sobre o que retrataria. A vida ou a morte? O desespero ou o alivio? A dor rastejava por sua mente como a serpente que tentou Eva no paraíso, deixando seu veneno, e criando espinhos do coração inocentes corrompido pelo homem cruel que habitava aquela terra fértil.

A resposta para as perguntas de Judith, não foi à promessa de amor eterno sendo proferida pelos lábios de Charles, e sim a escuridão eterna. O castigo que muitos temiam, porque valorizavam o simples gesto de despertar com a claridade que vazava como ouro líquido pela fresta da cortina. A incerteza do retorno fez com que Jude se fechasse para sempre no próprio mundo obscuro que criou com tanta perfeição, que as raízes perfuraram sua carne, até sugar toda a jovialidade da sua alma.

Ainda assim, todos sabiam que a grande traidora mentirosa era Eva. Desde o principio. A mulher que levou o pecado ao homem, e castigou toda a sua linhagem, castigando as verdadeiras vitimas, dando a luz ao assassino que empunhou uma lâmina contra o irmão mais amado. E Eva sofreu dia após dia depois de aceitar o conselho da cobra traiçoeira.

Não foi diferente com Eva Fissore. Ela sofreu até o último minuto. Deitada na cama hospitalar, com o rosto sem vida, e os longos cabelos opacos. Não havia mais nada para ser salvo ou elogiado. Suas pálpebras sequer piscavam, mantendo-se abertas para que enxergasse o máximo possível enquanto ainda conseguia respirar com todos os aparelhos ligados na tomada.

Eva não era a única naquele prédio esbranquiçado com forte cheiro de desinfetante. Havia outras vidas inocentes como a dela. Perecendo enquanto o mundo continuava para os mais sortudos. A idade e o caráter nunca foram motivo de julgamento para aquela cruel doença ameaçadora que castigava o corpo humano com tamanha hostilidade, que a tornava irreconhecível.

Era assim que começava e terminava.

Apenas uma delas sobreviveu a árdua batalha contra o mundo real, e o destino insano que pregava peças perigosas.

Jude ainda andava pela grama fresca do cemitério para buscar pela presença da irmã, porém encontrava apenas o silêncio da madrugada. 

Anti-HeroWhere stories live. Discover now