Judith

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Cansado, o garoto triste caminha em minha direçãoSegurando a mão de uma garotaAquela vadia sem graça finalmente vai embora

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Cansado, o garoto triste caminha em minha direção
Segurando a mão de uma garota
Aquela vadia sem graça finalmente vai embora

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— Judas. – gritou.

Judith estava diante de Eva, com a respiração acelerada e olhos cheios de lágrimas. Elas ainda estavam vestidas para o culto de domingo de manhã. Apenas uma delas usava um lindo vestido amarelo florido, enquanto a outra preferia tons de vermelho e laços. A diferença de tons era tão gritante quanto a cor distinta dos cabelos.

— Eu te odeio! – berrou para a mais nova.

As duas se encontraram novamente naquela batalha sem começo ou fim. As mãos pequenas agarrando os longos cabelos e puxando com força. Os gritos preenchia o quarto repleto de brinquedos e livros.

Elas nunca evitavam as brigas. Uma sempre queria o que a outra possuía. Desde recém-nascidas o confronto acontecia, porém Eva levava vantagem porque fora a primeira a ser descoberta e a primeira a nascer. Os médicos disseram diversas vezes que provavelmente apenas uma sobreviveria até o nascimento, pois a mais velha roubava todos os nutrientes da menor, mas ambas nasceram com força o suficiente para chorar alto na maternidade.

Judith não deveria ter existido.

Ela era a impostora.

Eva não possuía conhecimento daquele pequeno segredo na infância, então tolerava a presença da irmã, sabendo que a mais nova invejava sua beleza e carisma. Judith queria roubar tudo de Eva, até mesmo seu grande amor. Essa era a razão para que agisse feito um animal na maioria dos dias.

Judas.

Era assim que a chamava em dias turbulentos quando não conseguia fazer com que parasse de se debater como uma louca. Ela parecia enxergar abelhas ao seu redor, então gritava e balançava os braços, acertando Eva e destruindo boa parte do quarto. Os cortes não eram profundos, porém ardiam e alguns sangravam. Durante o banho as lágrimas lavavam seu rosto como larva quente, marcando o canto de seus olhos.

Jamais imaginou que Judith faria com que Charles sujasse as próprias mãos de sangue na juventude, levando-a para um passeio pela madrugada e sendo a escolhida. A fúria de Eva chegou até a mais nova, porém a loira apenas se gabou pela grande sorte.

Ambas se encontraram naquela batalha insana no corredor, fingindo não ouvir as ordens maternas, porque sabiam que apenas uma delas perderia as vantagens nos dias que se seguiriam. Ainda era cedo para descobrirem o segredo escondido no organismo de Eva, porém ela sentia os breves sintomas, sempre se calando para não preocupar os pais da mesma maneira que Jude fazia.

Se Eva tivesse a oportunidade diria que não possuía força o suficiente para acertar Jude com tanta precisão, ou enche-la de hematomas pelo corpo. Fazia muitos anos que a fraqueza a matava com lentidão. No entanto, Jude teria dito que a irmã protagonizou seu fim como uma profissional, pois sabia exatamente onde eram os pontos mais doloridos.

Os dedos continuavam apontando uma para as outras. As acusações preenchiam as paredes de ambos os quartos, dando a elas títulos que detestavam tanto quanto elas mesmas.

A mais velha fez com que Jude chorasse no corredor, caindo de joelhos enquanto implorava pela mãe.

O socorro nunca veio.

Os Fissore não explicaram aos médicos o que aconteceu naquela madrugada. Os vizinhos só ouviram os familiares berros femininos antes do silêncio perpetuo.

Uma coisa era certa.

Jude caiu da escada.

Ela foi deixada no último degrau como um animal morto na estrada. Olhos paralisados na parede e dedos trêmulos pela dor que a afligia. O sangue sujou os cabelos esbranquiçados, trazendo uma linda cor para o que antes fora criado para transparecer um grande vazio e horror. As lágrimas que desciam por seus olhos eram escarlates, diferentes daquelas que Charles beijou na escuridão.

Eva a olhou do topo da escada com os lábios abertos, sendo empurrada pelo pai.

A verdade sobre aquela madrugada nunca foi revelada.

Judith aceitou a perda.

Eva recebeu seu troféu anos depois.

Elas viraram fantasmas da própria vida.

Judith ainda ouvia a risada da irmã, e sabia que ela estava se divertindo no quarto ao lado, fingindo que o fim não estava estranhamente próximo. O aroma doce de Eva a fazia sonhar em dias melhores, quando era escolhida por um homem capaz de conquistar o mundo, mas principalmente, alguém bom o suficiente para salva-la.

Ninguém pensava em salvar Judith daquele pesadelo. Deixavam-na sofrer todas as noites na eterna solidão, assistindo seus pedaços sendo retirados para virar um quebra-cabeça em outro alguém. Um dia tentariam levar seu frágil coração, e ela perderia para sempre o único homem que amou.

— A notícia não é tão ruim, você tem a Judith.

As lágrimas cessaram com aquela sugestão na calada da noite.

As palavras vieram do Leclerc que ela conseguiu com muito empenho, porque quem realmente queria estava muito ocupado com a vida de estrela.

Eva realmente tinha Jude, porém Jude não tinha a mesma sorte.

As duas dividiram o mesmo quarto centenas de vezes, assim como os médicos. Jude ouvia na escuridão as promessas de amor que nunca foram para ela. Uma delas precisou ser forte e negar tudo. Os breves prazeres da vida precisaram ser deixados para outra pessoa mais sortuda. Os médicos a encaravam com pena, tratando-a como uma invalida. Era sempre doloroso passar pela sala terrivelmente iluminada e apagar de maneira forçada para que usassem lâminas em seu corpo.

Eles sempre pensaram que fosse Jude a portadora da terrível doença, mas o destino tentou acolher sua alma com gentileza velada.

A verdade não podia mais ser exposta, porque ninguém condenaria uma mulher morta ou tentaria proteger uma alma que não deveria ter nascido. Ambas cometeram seus erros, e só uma merecia ser defendida.

Jude cortou pela metade seus anos de vida. Não porque queria, mas sim por ser obrigada. Era tarde para voltar atrás. Era necessário aceitar.

As páginas em branco e fotos ignoradas diziam mais que palavras. Ela não fora cuidada da mesma maneira que Eva, e provavelmente seu nome era uma maldição, uma certeza plena que tiraria a própria vida por culpa. O destino tornou-se tão incerto quanto os exames de Eva. Os médicos falavam muito sobre o futuro, mas o presente tornava-se ainda mais enfadonho.

Seu corpo era um quebra-cabeça sem peças o suficiente para terminar.

A falta de medo e remorso endureceu tudo com a vinda da impunidade. O melhor remédio sempre foi ignorar até que dias melhores passassem por sua porta.

A verdade era que Jude podia mentir sobre tudo, menos Eva e o homem que a condenou por amor velado nunca correspondido. 

Anti-HeroWhere stories live. Discover now