Epílogo - Cinco

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Cadu tomou um susto berrando pelo irmão e foi amparar o mesmo. José segurou o braço mugindo de dor e se arrastando até encostar na parede se sentando.

— Vai para lá cadu!

— Quê?

— Aqui está cheio de vidro, porra, vai para lá... Você está descalço — ordenou José

— Mas você está sangrando..

Cadu pisou cuidadosamente e com os pés descalços sob o chão evitando pisar nos vidros visíveis. Se sentou ao lado de José .

— Merda, deixa eu ver...

No antebraço de José  um caco de vidro fino provocou um corte de mais ou menos 4 cm de cumprimento na pele, um rasgo sangrento e o vidro ainda estava preso.
Cadu puxou o braço do mais velho cuidadosamente para si e depois puxou o vidro, José deu um resmungo.

— Puta que pariu!  — gritou José

Cadu notou que acima de sua sobrancelha também escorria sangue.

— Merda, caralho que porra! — José  disse irritado dando um murro na própria coxa

— Ei! — resmungou Cadu segurando seu rosto para analisar seu corte fino na testa. — Fica calmo.

— Vai se foder.

— Bateu a cabeça?

— Na quina da mesinha só, porra meu!

— Vamos, respira fundo! — ordenou bravo — Se acalma, se acalma Zé.

José encheu o pulmão contra a vontade. Soltou o ar devagar.

— Isso.

— Falou igual a mãe agora.

— Runf — resmungou Cadu. — Vem... Vamos levantar.

— Não, não, não... — resmungou José  segurando Cadu — Lembra... Lembra quando eu era pequeno e arrumei aquela briga...

— Qual delas?

— A da escola, que a diretora deu um cartão de visita da psicóloga e a mãe ficou furiosa achando que ela tinha insinuado que eu era louco.

— Lembro — riu Cadu — sempre quis saber o que aconteceu dentro da sala... Bom, a diretora não se enganou.

— Ei, eu não era louco, quer dizer um pouco! — reclamou José  — Aquele dia a mãe ficou louca e eu machuquei o joelho na briga. Ela disse que íamos mudar de escola, mas uma semana depois lá estava eu... Na sala da psicóloga.

— Por que está falando disso?

— Porque aquele dia em especial... Eu cheguei furioso em casa, furioso. E a a mãe foi atrás de mim, rápida. Ela segurou meu rosto, eu queria quebrar tudo por ter sido culpado por aquela briga, sendo que eu só estava te defendendo — José deu uma pausa.

— José seu braço está sangrando muito. Vamos levantar precisamos fazer algo. — disse Cadu tentando ignorar aquela conversa

— E ela segurou meu rosto — continuou José  ignorando a fala de Cadu. — “Se acalma meu bem” ela disse, mas eu não conseguia. E o ar já não estava voltando, não estava conseguindo ficar calmo era como se eu fosse explodir, a aí... Aí você entrou no quarto Cadu, foi como se você fosse um anjo, e eu finalmente consegui respirar e me acalmar. E tenho feito isso minha vida toda, a mãe não conseguia me acalmar mais, mas bastava eu pensar em você que... Eu conseguia me acalmar.

Cadu ficou o olhando com seu olhar preocupado, enquanto a camisa de José que era amarela clara tomava uma cor vermelho vivido de sangue.

— Sempre foi você, minha fraqueza e minha fortificação — os olhos de José se encheram.

Antes que pudesse chora escutou o barulho do carro de Renato.

— Puta que pariu! — disse José  —  onde papai está indo, sem avisar?

— Não! — disse Cadu arreganhando os olhos — Merda não!

Cadu se levantou, ajudou José  se levantar.

— Rápido vai atrás dele ele não pode deixar a gente aqui — disse José . — Não de novo.

— Tá... Tá — disse Cadu saindo rapidamente.

José o observou em silêncio e se encostou na parede resmungando de dor. Olhou para seu braço, como pode um corte fino arder até a alma?

Mais uma vez: O que Anastácia faria? Se perguntou Renato. Anastácia resolvia tudo, quando tudo estava dando errado ela resolvia tudo!
Uma vez quando os meninos eram adolescentes eles resolveram brigar entre eles, durante dias no início de suas férias escolares. Anastácia não aguentava mais aquele clima entre os dois então teve uma ideia brilhante: levou os dois para a casa no pequeno sítio e os largou lá... Ela simplesmente os deixou e foi embora para casa, e a única coisa que deixou foi um bilhete que voltaria depois de uma semana, e que os meninos iam ficar la ate fazerem as pazes, era um castigo.

Eles brigaram a semana inteira culpando um o outro de ser responsável por aquilo, até se lembrarem que se não fizessem as pazes nem que fosse de mentira jamais sairiam dali. Passaram uma semana das férias longe de tudo que gostavam, e aprenderam sobre suas independências, sobre cozinhar juntos, cuidar um do outro, arrumar a casa e embora gostassem do sítio ficar ali sozinho era horrivelmente assustador. Dois jovens em uma casa enorme, sem ninguém para fazer nada por eles.
Claro que Anastácia não era boba, ela sabia que os dois eram autodidatas e que jamais os deixaria de fato sozinhos, por isso pediu para Camila, mãe de Julia os observar.

Renato pensou e pensou nisso antes de ir embora deixando dois homens adultos, que não eram mais meninos naquela casa. Deixou um bilhete: “Façam as pazes e não voltem em quanto não se resolverem de verdade. E não passem por cima de minha ordem”

Cadu pegou o bilhete que estava colado com fita na porta. Ele não era mais uma criança, aquilo era uma idiotice. José apareceu segurando seu braço ensanguentado e Cadu bateu com o bilhete em seu peitoral.

— Otimo! De novo estamos aqui por culpa sua.

— Culpa minha?

— É, afinal quem é o implicante?

— Cara só pedir um taxi não somos mais crianças.

— E o que você acha que papai faria o quê? Ele ficaria desapontado por não termos nos resolvidos.

— Só inventar que fizemos as pazes?

— Jura José ? Para chegarmos lá com a maior cara lavada e com uma "torta de climão" todo dia em todo café da manhã?

— Sabe o que acho? O paí estava cansado da gente se desentendendo

— Tenho a mesma impressão. Somos dois filhos de merda. — Cadu tocou o ombro de José — Vem...

José estava sentado, e Cadu enfaixou seu braço com uma bandagem após limpar e cuidar do ferimento. Passava sutilmente um algodão banhado em álcool no ferimento acima do sobrancelha de José, um pequeno corte, enquanto José virava sua cabeça a cada instante irritado, Cadu estalou a língua segurando o queixo de José.

— Fica quieto Zangado!

— Está ardendo — reclamou José irritado com a cara feia.

Cadu deu um riso e negou com a cabeça. Sua vontade? Beijar a boca do irmão mais velho já que estavam tão próximos, a mesma vontade de José, mas como nenhum deles sabia que essa vontade era mútua o silêncio constrangedor reinava entre ambos.
Houve um grito do lado externo de casa, alguém que chamava Cadu, Cadu guardou rapidamente as coisas do curativo na maleta de primeiros socorros.

Saiu às pressas e pegou sua blusa de frio que estava pendurada.

— Ei, onde está indo?

— Não sei, tinha marcado de ir na Vilinha beber no bar da Branca ou ir pescar com o Rodrigo, então eu vou pelo menos fico menos estressado... Relaxa eu volto, mais tarde.

José ficou se sentindo indiferente, ele podia surtar ali e agora, e fazer aquilo não resolveria nada. Engoliu seco.

— Vou ligar para o papai. E dizer que isso e babaquice.

— Não vai adiantar, só vamos ficar aqui essa merda de semana e sei lá.. fingir as pazes de novo.

Amor Azul CentáureaOnde histórias criam vida. Descubra agora