Capítulo 41

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Era tudo muito vívido para não ser real. Era paupável.

A visão de Sasuke estava tomada por vermelho, o cheiro de sangue invadia seu nariz, a textura pegajosa da substância se embrenhava entre seus dedos, o gosto salgado das lágrimas se misturavam com o sabor de ferro do sangue que por algum motivo parara em sua boca.

O corpo pendido em seus braços estava frio, sem nenhuma dica de que algum dia foi o corpo quente e macio que ele tanto amava.

Apertou a mulher em seus braços, tomado por um grito gutural vindo do fundo de sua garganta, de seu âmago, de sua alma. Em uma prece insana para trazê-la de volta.

Afundou o rosto no pescoço gélido e pálido, buscando pelo cheiro floral que tanto o inebriava. Mas não estava mais lá. O único cheiro no ambiente era o de sangue, o cheiro de morte. Os cabelos antes rosados, estavam agora tomados pelo líquido vermelho proveniente de seu próprio corpo. Seu rosto se sujou ainda mais com o sangue da mulher, e as lágrimas saiam agora em descontrole.

Seu corpo tremia, se mexendo em câmera lenta através de espasmos desgovernados; seus dedos imbuídos em vermelho traçaram um caminho torto até os fios cor-de-rosa, mas antes que pudesse alcança-los, gotas translúcidas caíram, misturando o sangue e lágrimas.

Pensamentos insanos passavam por sua mente. Queria voltar no tempo, apenas alguns momentos, somente alguns momentos, ele precisava voltar, evitar; não era possível que isso acontecera porque ele não chegara a tempo.

Rezou para não ser real. Para ser um sonho e acordar. Acordar agora.

Mas nada mudou.

O desespero só aumentou e ele sacudiu o corpo desfalecido diante de si, não ouvindo o próprio urro de dor que ele próprio emitia.

O braço da mulher caiu ao lado, enquanto ele ainda ajoelhava embalando-a como uma criança; a cabeça solta para trás, sem força alguma no pescoço ou pressão para mantê-lo firme.

Segurou o rosto pálido, sujo de sangue, frio, e encostou sua testa na dela. Suas lágrimas pingando em descontrole no rosto feminino abaixo do seu. Mas em nenhum momento os olhos verdes tão vivos se abriram para encontrar os seus.

Cavou os joelhos com força no chão, apertou o cadáver em seus braços com força igual, e gritou; mas tudo continuou igual, o tempo não voltou, ao contrário, parecia que havia parado. Talvez nem mesmo o tempo se atrevera a estar naquele ambiente com ele, e por isso resolveu parar.

Sentiu ódio.

Tantas pessoas estavam agora vivas. Lá fora, vivendo, caminhando, sorrindo. Por que? Por que Sakura não poderia ser alguma delas? Como o mundo ousava seguir em sua normalidade quando a maior tragédia consumia todo seu corpo agora?

Aquilo não estava acontecendo. Aquilo não podia acontecer. Não podia estar acontecendo.

Cada ser humano desse maldito planeta pagaria. Cada um. Com sua própria vida. Seu mundo fora tirado de seus braços. E agora ele tiraria todos eles do mundo.

Uma força o puxou pelo centro, tomou seus olhos, um redemoinho o atingiu, e tão rápido como aconteceu, se desfez. E agora Sasuke pairava sentado na própria cama, o peito subindo e descendo com uma rapidez nunca antes experimentada, o rosto contorcido em dor, lágrimas reais dançando abaixo dos olhos, e uma mistura de alivio e desespero.

Com toda força que tinha virou ao lado e encontrou a mulher dormindo tranquilamente ao seu lado.

Foi um sonho.

Foi um maldito sonho.

Seus olhos não saíram do peito da mulher subindo e descendo tranquilamente. Ela estava respirando, estava viva e bem embaixo de seu teto.

Nunca antes sonhou dessa forma, não foi um sonho normal. Alguma divindade cruel estava brincando com sua mente, lhe mostrando o que ele mais temia que acontecesse.

Não se segurou mais e se deitou novamente puxando o corpo de Sakura para si, querendo se certificar de que nada daquilo havia realmente sido real. Sakura estava viva, seu corpo estava quente e macio como sempre, seu cheiro floral estava ali, e nenhum vestígio de sangue ou morte pairavam sob ela.

A apertou mais ainda, despertando-a.

- Hum... - Ela reclamou, ainda de olhos fechados, tentando sair dos braços fortes que quase prendiam sua respiração, porém sem força alguma para se libertar.

- Shh. Durma, Sakura. Durma.

Suas palavras saiam entre lágrimas. Fato que despertou de uma vez a mulher ainda um pouco adormecida em seus braços.

- Sasuke... - Sua voz era pequena, banhada de sono e de falta de entendimento.

Mas ele não a largou, não a soltaria por nada.

Ouvir sua voz era mais uma comprovação de que nada daquilo fora real.

Não é real.

Foi um sonho.

Só um sonho.

- Sasuke. - Ouviu sua voz sair um pouco mais equilibrada, e seus braços finos se puxarem para fora, o suficiente para encontrar com seus olhos molhados no escuro da madrugada. - O que aconteceu? Está tudo bem?

Sakura piscou os olhos, se libertando do apertando e encontrando o rosto do homem com as mãos. Mas Sasuke não respondera de imediato. Ainda querendo garantir ao próprio coração que tudo havia sido um sonho, um pesadelo; decorando mais uma vez a luz dos olhos verdes, a temperatura da sua pele, o som de sua voz, as batidas do seu coração.

Fitando-a em concentração extrema, sabendo que tudo poderia lhe acontecer, menos perde-la, não era uma opção nem nos piores cenários.

- Nada aconteceu, e nem vai. - Falou sério, as lágrimas já paravam de cair.

Era injusto sequer considerar a possibilidade. Era injusto que depois da noite em que Sakura aceitara ficar ali, morar ali com ele, seu subconsciente plantou a mais vil das realidades.

- Foi um pesadelo? - Ela parecia adivinhar.

Novamente o homem não respondeu de imediato, ainda lhe fitando com toda força que existia antes de voltar a abraça-la e empurrar seu rosto para o seu peito, cheirando o topo da cabeça rosada.

- Eu não vou deixar nada acontecer com você, é uma promessa. - Sussurrou e pôde ouvir o som de uma risada pequena.

- Não seja bobo, eu sei disso. Foi só um sonho, volte a dormir, sim?

Sakura se aconchegou no peito do homem, fechando os olhos tentando voltar para o mundo dos sonhos, mas Sasuke já estava acordado demais para voltar a dormir.

Aquele sonho não se tornaria realidade.

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Longe dali, a figura ruiva feminina encarava uma foto em suas mãos.

Uma mulher de olhos verdes e cabelos rosados pairava sorridente na imagem.

"Por que você não usa lentes verdes?"

Uma risada enlouquecida escapou de sua boca. Que pena seria fechar esses malditos olhos verdes para sempre.

L'interditWhere stories live. Discover now