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  Aquela onda de alunos que sempre se forma após o último sino, me serviu de camuflagem quando passei da porta da sala para fora, e vestido da minha camisa manga longa da cor azul escuro, caminhei com cuidado em direção ao portão vermelho por onde todos os alunos também saíam, livres de mais um dia de aula.

  Por causa do tamanho exagerado do prédio do colégio, eu tenho que atravessar cinco corredores todos os dias, para me encontrar fora dos limites dos muros baixos. E, nessa segunda-feira maravilhosa, o destino decidiu me desafiar mais que o comum.

  Em cada um dos corredores havia algum dos primos dos Adams, encostado em alguma parede ou porta fechada esperando todos saírem, com olhares atenciosos vasculhando a multidão.

  — É sério isso? Só falta começar a chover agora!

  Diante de um “acaso” tão infeliz, eu não pude evitar sussurrar as minhas indignações para o vento.

  Com dificuldade, passei pelos dois primeiros corredores, tendo quase total certeza de ser sorrateiro o suficiente, mas quando cheguei ao terceiro, Kim estava no meio dele, forçando alguns alunos a darem a volta nela, formando assim um pequeno círculo vazio ao seu redor.

  — Dela eu cuido sozinho...

  Junto de mais um sussurro, minha mente criou roteiros e imagens rápidas, de como eu poderia me livrar da atenção daquela garota. Pelo menos eu achava que poderia ser capaz disso, até sentir as duas grandes e fortes mãos me segurando pelos ombros, e praticamente me arrastando até a frente da vadia loira.

  — Olha o que temos aqui! Parece que finalmente conseguimos pegar o ratinho.

  Me lembro muito bem do olhar curioso e levemente malicioso, com o qual Kim me encarou nesse momento.

  — Bom dia pra você também, Kim.

  Acho que ela devia tá de TPM, ou recebeu mais um fora de Tuly, já que o tapa que eu recebi em minha cara, doeu muito mais do que eu estava esperando.

  — Quantas vezes vou ter que repetir? Pra você é Kimberly!

  — Me perdoa vossa majestade. Na próxima vez eu me curvo também.

  — Essa é uma boa ideia viu!

  Eu deveria ter ficado de bico fechado como a Triz sugeriu, pois quando Kim estalou seus dedos em uma pose autoritária, os dois brutamontes que me seguravam, deram chutes na parte inferior de meu joelho, até eu finalmente ceder e cair de joelhos em frente a ela.

  — Agora tá muito melhor, você não acha, ratinho?

  — Sua vaca...

  Mais uma vez eu sussurrei para o vento, mas, temi que ele denunciasse a minha ofensa.

  — O que você resmungou aí?

  Enquanto eu tentava me levantar, pude sentir a ponta do salto dela espetando o meu ombro, e me empurrando de volta para o chão.

  — Nada demais, Kimberly. Apenas agradeci pela honra!

  — Parece que você finalmente está aprendendo! Me diz, cadê o seu namoradinho que sempre divide as surras com você? Por acaso ele também te abandonou?

  — Cadê o seu namorado, Kimberly?

  — Parece que você gosta de apanhar, né?

  Apesar de ser uma garota um pouquinho magra, não dava para subestimar os músculos da Kim. Lição a qual eu havia aprendido algumas semanas antes, quando levei um soco dela, bem na boca do meu estômago. Me lembro perfeitamente de quando aquelas mãos finas agarraram meus cabelos, me forçando a olhar para ela que, obviamente, me encarava de volta com uma expressão de nojo e raiva.

  — O que está acontecendo aqui?

  Por um segundo eu suspirei aliviado, achando que dessa vez a surra acabaria ali mesmo, já que a voz do diretor soou por entre as risadas e murmúrios que os outros alunos soltavam ao nosso redor.

  — Sun, quantas vezes eu já disse para não causar tumulto dentro do prédio escolar? – (é uma pena que meu alívio sumiu completamente no segundo seguinte) – E senhorita Kim, como vai o seu pai? Fiquei sabendo que ele comprou mais um edifício no centro da cidade, é verdade?

  — Você vai fingir mais uma vez que não viu nada? – (como de costume, somente sussurrar era o que eu podia fazer. Às vezes parecia que somente o vento era capaz de me entender).

  — Sim, diretor. Ele até mandou um recado para o senhor.

  — Eu poderia saber qual é?

  De dentro da camisa do uniforme, da região onde estava o seu sutiã, ela puxou um pequeno envelope e o entregou nas mãos do diretor.

  — É o que eu imagino que seja?

  — Apenas mais um agradecimento após alguns elogios meus a respeito desse colégio.

  — Muito obrigada, senhorita. É uma honra tê-la em nossa instituição!

  — Já pode parar com a bajulação. Você veio me mandar ir embora, né?

  — Me perdoe por isso, mas as faxineiras precisam trabalhar, e a sua presença impede que todos esses alunos em volta saiam também.

  — Não precisa ter tanto medo, diretor. Enquanto eu gostar desse lugar, o seu emprego ainda está seguro.

  — Obrigada, senhorita Kim. Você quer que eu dê um jeito nele?

  — Não precisa diretor, eu gosto de cuidar desse ratinho pessoalmente. Vamos! – (obedecendo a ordem dela, os dois brutamontes me ergueram mais uma vez, arrastando o meu corpo cansado novamente, só que dessa vez para o lado de fora do colégio) – Sun...

  — Posso te ajudar, senhorita Kim?

  — Dessa vez vou deixar passar, porque também odeio quando ele começa a me bajular! Que homem sem vergonha é esse que não tem coragem de desafiar ninguém?! Olhando dessa forma, eu até te respeito mais do que a ele, já que mesmo apanhando todos os dias, você continua desaforado e mal educado.

  — Obrigada! – (sua vaca. Se eu pudesse...)

  — Hoje, nós faremos algo diferente.

  — Como assim?

  — Te surrar da mesma forma todo dia já perdeu a graça!

  — Então hoje vou ter uma folga?

  — Deixa de ser idiota. Óbvio que não! Você é o nosso boneco de testes, e, principalmente hoje, não tem como você se safar, já que seu namoradinho sumiu.

  — Merda! Então qual vai ser a tortura?

  — Já jogou roleta russa?

  — Tá falando daquele jogo mortal super saudável com uma trinta e oito?

  — Sim! A gente vai fazer algo parecido. Mas vai ser com facas. Você quer participar?

  — Não.

  — Esse é o espírito! Quanto mais você recusar, melhor é te humilhar.

  — Alguém já te falou que você fica muito bonita agindo igual a uma psicopata?

  — Você acredita que sim?! Isso é pra você ver como as pessoas de hoje em dia são tudo perturbadas!

  Bem, enquanto eu conseguir ver o seu rosto, vou concordar facilmente com essa frase sua.

  — Eu que o diga, Kimberly.

  Depois de alguns minutos sendo arrastado como um saco de batatas, atravessando os corredores da escola, o portão da saída e mais alguns metros de rua, Kim finalmente anunciou o que eu estava torcendo para nunca acontecer.

  — Finalmente, chegamos!

Entre Raposas e Assassinos: O Diário de SunOnde histórias criam vida. Descubra agora