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  Será que eu deixei alguma coisa passar sem perceber? A gente estava sempre conversando sobre tudo. O Luck é meu melhor amigo, será que eu nunca ouvi ele falando sobre querer matar alguém?
  Não! O Luck nunca faria algo assim. É verdade que ele sempre entrava em brigas com os projetos de gente do colégio, mas isso só acontecia porque eles recebiam ordens do Tuly pra pegar no nosso pé.
  O Luck nunca mataria alguém! Se fosse qualquer outra pessoa, eu não duvidaria, mas o Luck chora até com a morte de animais nos filmes que a gente assiste. Ele nunca mataria alguém.
  Ou eu não o conheço direito?
  Impossível! Nós encarávamos tudo juntos!
  Ou será que eu sempre fui negligente com ele? Eu nunca fui um amigo de verdade, é isso?
  Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser.
  Isso tudo deve ser mentira!!!! Isso mesmo!!! Só pode ser mais uma alucinação!!!!!
  Que merda eu tô pensando? Como eu posso dizer que isso tudo é mentira quando estou vendo o meu melhor amigo chorar bem na minha frente?!

  FAZ ALGUMA COISA QUE PRESTE, SUN!


  — Luck, me explica o que aconteceu direito? Tenho certeza que existe um motivo pra tudo isso!

  Nós nunca tivemos o costume de darmos abraços, mas não havia opção melhor naquele momento. Não foi um abraço muito longo, mas durou o bastante para que ele entendesse que eu estava ali pra ajudar.

  — Sun... Eu nunca te contei mas... Aquele idiota do Paulo...

  A voz de Luck estava trêmula. Ele parecia tentar conter as lágrimas, mas seus olhos não queriam obedecer.

  — O que tem ele?

  Assim que o soltei do abraço, dei um sinal com a mão para nos sentarmos no sofá. Ele me obedeceu facilmente.

  — Aquele merda estava batendo na minha mãe!

  — Tem muito tempo isso?

  — Quase dois anos. Mas a minha mãe sempre faz parecer que não é nada demais, então eu tava tentando lidar com isso da melhor forma possível.

  — A gente se conhece tem mais de um ano. Por que nunca falou nada?

  — E o que você ia fazer? Me dar alguns comprimidos de calmante também?

  — Você sabe que eu só tomo aquelas coisas por recomendação médica.

  — Deixa de papo, Sun. Nós dois sabemos que você falsifica a receita pra poder pegar mais comprimidos na farmácia.

  — Vou ignorar isso porque você tá numa situação ruim agora. Então me conta o que aconteceu.

  — Como você já sabe, o Paulo trabalha o dia todo, então só o vemos a noite, certo?

  — Sim.

  — O que nós não sabíamos é que ele tem uma folga toda segunda feira. E adivinha o que ele sempre faz nas segundas?

  — Bar? Cassino? Boate? Futebol?

  — Ele se encontra com uma “secretária” da empresa que ele trabalha.

  — E você o matou quando descobriu isso?

  — Não. Foi minha mãe que descobriu e no mesmo instante ela ligou pra ele. Mas parece que ele não gostou muito de ter sido descoberto.

  — Foi ele quem quebrou seu telefone?

  — Não. Isso foi um acidente. Mas se não fosse por isso, eu teria ido pro colégio, e talvez tivesse acontecido algo “pior” aqui em casa.

  — Merda. O que ele fez?

  — Eu tinha saído pra colocar o celular no conserto e quando cheguei, pude ouvir o grito de ambos lá de fora. Tentei ignorar mais uma vez, mas não consegui. Quando ouvi ela gritando depois de levar um soco, fui correndo até o quarto deles, mas com um chute fui jogado pra fora.

  — Nisso você pegou a faca?

  — Sim, mas era só pra me proteger. Eu não tinha intenção de atacar ele. Mas a situação mudou quando a Clara chegou.

  — Sua irmã chegou mais cedo hoje?

  — Sim. Parece que faltaram alguns professores, então a aula acabou mais cedo. Quando viu toda a cena, ela deu um berro e foi correndo pra pegar o telefone da sala pra ligar pra polícia.

  — Mas ele percebeu né?

  — Sim. Se ele só tivesse dado um tapa nela, eu não teria precisado chegar nesse nível, mas quando ouvi aquela voz nojenta dizendo que ia ensinar ela a obedecer e que agora ela ia começar a usar o corpo dela corretamente, eu surtei.

  — Eu faria o mesmo, Luck. Mas acho que ele não morreu.

  — Como assim?

  — Eu ouvi alguém tossindo forte dentro da ambulância lá fora. Então acho que ele ainda está vivo. Cadê a sua mãe?

  — Ela foi levada pro hospital. Parece que ela teve mais lesões do que dava pra ver.

  — E a Clara?

  — No quarto dela. Tem como você ir ver como ela tá? Tô um pouco mais calmo, mas acho que ela deve está muito assustada ainda.

  — Você vai ficar bem?

  — Vou tentar. Vai lá logo.

  Me levantei um pouco receoso, e depois de dar uma última olhada em Luck, fui mais para dentro da casa. Quando cheguei em frente à porta do quarto da garota, eu tentei abrir a porta mas, felizmente, ela estava trancada.

  — Clara, é o Sun, você está bem?

  — VAI EMBORA!!! – a voz da garota soou bastante irritada, mas era possível perceber que ela estava chorando dentro do quarto.

  “Pelo menos ela está consciente.

  Eu realmente pensei que uma garota de treze anos fosse surtar bem mais, mas acho que acabei subestimado a mentalidade de Clara. Ou não.

  — Por favor, deixa eu entrar. Só quero ver se você está bem!

  — EU JÁ DISSE PRA VOCÊ IR EMBORA! NÃO QUERO VER NINGUÉM! EU SÓ QUERO FICAR SOZINHA!

  — Foi o Luck que me mandou vir aqui. Só vou ver se você tá machucada, e prometo que não vou ficar fazendo nenhuma pergunta desconfortável.

  Um silêncio desconfortável reinou por alguns segundos, até que consegui escutar o barulho da porta sendo destrancada. Clara não abriu totalmente a porta, mas me olhou pela pequena abertura que ela fez.

  — Ele está bem? Ele só fez isso pra me defender. A culpa não é dele.

  — O Luck vai ficar bem. Felizmente, aquele idiota é mais forte do que parece. Se não quiser que eu entre, eu fico aqui mesmo.

  — Se o irmão confia em você, então tá tudo bem.

  Ela terminou de abrir totalmente a porta, e eu tive que me segurar pra não correr até lá fora e terminar o serviço que Luck havia começado.

  Clara, uma garota de pele levemente bronzeada e cabelos negros cortados acima dos ombros, normalmente sempre estava com um sorriso sincero no rosto, mas naquele momento ela parecia uma garota completamente oposta.

  Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar. Seu cabelo estava bagunçado, e ela estava segurando um pequeno tufo em sua mão esquerda, como se ele tivesse sido arrancado de sua cabeça. Em seu pescoço, uma marca avermelhada no formato de uma mão se destacava e a blusa que normalmente se encaixava corretamente em seu corpo, estava folgada demais, como se alguém tivesse tentado arrancá-la a força.

  — Você está bem, Clara?

  Eu dei um passo em sua direção, mas parei no mesmo lugar quando ela recuou mais para dentro quarto.

  — Desculpa, Sun, mas eu não quero que você chegue muito perto. Desculpa.

  — Não é você quem tem que pedir desculpa por alguma coisa. Eu sei que prometi não perguntar nada, mas aquele idiota não fez nada contigo, né?

  — Ele tentou, mas o irmão não deixou. Sun, o que teria acontecido comigo se o irmão não estivesse aqui?

  — Não pensa nisso! Agora temos que cuidar de vocês dois. Alguém já ligou pra polícia?

  — Sim. A ambulância chegou primeiro, mas parece que eles vão chegar logo.

  — Tem algum parente que more por perto?

  — Não. Mas o telefone da nossa tia tá colado na geladeira.

  — Tá bom. Pode deixar que cuido do resto. Toma um banho e troca de roupa. E tenta relaxar um pouco, ok?

  — Obrigado, Sun. E me desculpa. Eu sei que você não vai fazer nada mas...

  — Eu sei que é complicado. Não precisa pedir desculpas.

  — Obrigado.

  Eu me afastei alguns passos para fora do quarto, dando espaço para que ela pudesse fechar a porta novamente. Quando tive a certeza que ela trancou a fechadura novamente, me virei e fui em direção da cozinha, pra poder ligar pra tal tia e contar tudo o que havia acontecido.

  Para chegar até a cozinha, eu tinha que passar pela sala novamente, e isso seria até bom, porque assim eu poderia olhar como Luck estava, mas algo me fez congelar assim que cheguei na porta da sala.

  Luck estava sentado no mesmo lugar de antes assim como eu esperava. Ele estava com a cabeça baixa, se apoiando sobre os próprios joelhos, e com toda certeza estava chorando ainda. Mas atrás dele e do sofá, eu vi mais alguém de pé, e para a minha agonia, a máscara em seu rosto parecia tão familiar.

  Um homem alto, não muito forte, mas com um corpo definido, usando um conjunto de terno e paletó pretos, mas com aquele maldito acessório em seu rosto enquanto me encarava com aqueles olhos de raposa morta.

  Eu tinha a certeza de que era mais uma alucinação. Por que tinha que acontecer logo naquele momento eu não sabia, mas, uma coisa me chamou muito a atenção: a faca que estava no tapete havia sumido.

  Não havia nada na mão daquele homem que me encarava, mas quando um sorriso arrogante surgiu naquela máscara assustadora, eu finalmente pude ver aonde estava o objeto desaparecido.

  No momento em que a máscara sorriu, eu vi Luck erguer seu rosto, e com sua mão direita, guiar a lâmina da faca até o meio de seu pescoço.

  Eu tentei fazer algo, mas meu corpo não quis obedecer. Eu quis gritar, mas a minha voz não quis sair de minha boca.

  Enquanto estava paralisado na entrada da sala, pude ouvir a voz de Clara gritando o nome de Luck atrás de mim, mas ainda assim não pude reagir ao que estava acontecendo.

  Ainda sentado no sofá e com a faca na mesma posição, Luck olhou para nós, e com um sorriso triste em seu rosto fez um pedido de desculpa bastante rouco.

  Enquanto eu via tudo aquilo acontecer na minha frente, o homem com a máscara se moveu para mais perto de Luck e colocou a mão sobre a cabeça dele. Enquanto me encarava, ele forçou a cabeça de Luck para frente, até que todo o cenário começou a se transformar em um vermelho vivo, manchando paredes, móveis e tudo o que estivesse por perto dele.

  Essa foi a última vez que vi o meu melhor amigo vivo.

  Essa foi a segunda vez que as raposas tiraram algo precioso de mim.

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Entre Raposas e Assassinos: O Diário de SunOù les histoires vivent. Découvrez maintenant