Tchau, mãe

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Shawn tomou as decisões com Andrew e estava ansioso para começar tudo. Mesmo com a grande emoção, estava receoso. Seria bem recebido? Futuramente, as músicas tocariam nas festas? Quantas pessoas o reconheceriam?

O empresário se despediu, levando os contratos assinados e as primeiras viagens de Shawn já estavam marcadas. Tudo estava acontecendo muito rápido.

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Ana havia chegado ao Brasil com a complicada missão de ser forte e passar em família os últimos dias de sua mãe.

- Oi filha - o pai disse, entrando no quarto - bom dia.

- Bom dia - ela sorriu, tentando decifrar a expressão de Fernando.

- Vou te levar ao hospital.

- Tudo bem, vou me trocar - Ana disse, indo até o banheiro para lavar o rosto.

- Antes, uma coisa... - o tom do pai ficou sério - sua mãe está oscilando. Em alguns momentos quer aproveitar esse tempo que resta mas em outros... ela só chora. Precisamos só ficar ao lado dela. Pelo menos é o que a psicóloga me disse.

Ana continuava sem saber o que fazer. Tudo o que podia imaginar era o último dia de vida de Beatriz. A sensação era de perder o chão e tudo à sua volta. A princípio, precisava pensar em si para dar forças a sua mãe, mas como se fortalecer com a notícia de uma perda que estava programada para acontecer? Era a pergunta sem resposta, o problema sem resolução. Não havia equação para a morte.

A garota fechou os olhos e em sua mente se imaginou em Toronto mais uma vez. Tudo o que viveu, todas as suas aventuras e... os últimos dias com Shawn. Os dias que a fizeram suportar toda a carga e entender que há sim coincidências.

Chegando ao hospital, Ana viu sua mãe deitada em uma cama. Mordeu o lábio para que não chorasse. Conversaram e se deram um abraço.

- Vai ficar tudo bem, filha - Beatriz disse, sorrindo.

- Não mãe, não vai. Pelo menos não tão fácil assim... vou ter muitos problemas para aceitar tudo isso - Ana não conseguiu e chorou.

- Eu não sei quanto tempo ainda tenho. Pode ser pouco, pode ser muito, mas só quero viver. Nós já passamos por muitas coisas juntas, isso não vai se apagar! - Beatriz riu, lembrando-se das vezes em que a filha fazia brincadeiras.

- Não consigo me imaginar sem você.

- Nem eu, filha. Mas infelizmente teremos que passar por isso. Lembra do que te falei há muitos anos que nascemos e só temos certeza sobre a morte? Todo o resto depende de várias coisas. Então o tempo que ainda resta é o que depende para que eu viva. E quero viver. Por favor, vamos viajar, fazer mil coisas juntos, eu, você e seu pai. Precisamos disso. O que vai acontecer depois não quero pensar muito. Vamos deixar para a hora que tiver que acontecer.

- Você fala como se fosse fácil...

- Não é, mas esses dias tenho pensado muito nisso. E precisamos parar de adiar as coisas, parar de deixar para amanhã. Tem tantas coisas que gostaria de ter feito... mas hoje vejo que não há mais tempo. A vida nos golpeia de formas absurdas e há momentos que só queremos que ela fosse mais gentil conosco. Mas já temos nosso tempo. Ele é contado. É isso...

- Queria mais tempo. Mais dias, mais momentos, mais viagens com você. Queria que me visse entrar na igreja quando fosse me casar, que passasse pela experiência de ser avó... que me visse vencendo na vida. Mas não vai ser assim, isso me deixa tão mal!

- A princípio não entendemos os propósitos daquilo que acontece conosco, mas um dia compreendemos que a vida é como um trem. A cada estação que paramos, alguém desce. E alguém embarca. É assim que funciona, infelizmente. Eu vou sair em breve. E alguém vai chegar. Mas essa pessoa não vai me substituir, vai só te proporcionar coisas boas, e então você vai se sentir em paz novamente. Enquanto isso não acontece, queria que fizesse aquele macarrão que só você sabe e trouxesse para cá! Não aguento comida de hospital - Beatriz riu.

- Ai mãe, só você mesma! - Ana riu.

- Está vendo? Não precisa ser ruim, vamos passar por isso juntas, tudo bem?

- Eu não tenho escolha...

- Tem sim! Escolha ficar ao meu lado até o fim. Porque é exatamente isso que faria, e faria mil vezes se preciso fosse.

- Essa é de longe a pior conversa que já tive na vida, sobre um assunto do qual não quero tratar e ouvir coisas que nunca imaginei ouvir, pelo menos não dessa forma. Ainda estou tentando processar tudo isso, mas algo me diz que vai ser muito, muito difícil.

- É sempre difícil dizer adeus. Então diga um "até logo", porque se acredita em vida lá do outro lado, vamos nos encontrar. E lá, teremos a eternidade! A palavra "tempo" não vai existir, porque é para sempre! E eu estou feliz, filha. Vivi tudo o que mais queria: me casei com seu pai, tive você, trabalhei com o que quis e fui muito feliz com isso. Tive a vida que sonhei quando era jovem.

Parecia que Beatriz estava segurando o máximo que podia até Ana chegar de Toronto para se despedirem. Apesar de ser uma doença terminal, as horas e os minutos eram determinantes.

- Espero viver o que você viveu então. A vida vale a pena?

- Muito! E olha, até agora você experimentou um ou outro obstáculo, mas aqui algum tempo enfrentará coisas maiores e tenho certeza que vai se sair muito bem! A vida anda para a frente. Esse é o maior entendimento que se pode ter sobre ela. Se nós não seguimos a sua determinação, quase sempre ficamos para trás. E você não vai querer ficar para trás, não é mesmo?

- Não. Não quero.

Após a conversa com a mãe, Ana foi para sua casa fazer o macarrão. Estava mais tranquila, porém já havia entendido a mensagem que Beatriz queria deixar na conversa. Uma hora depois, voltou ao hospital.

- Obrigada filha - ela sorriu - como sempre, está muito bom!

Beatriz pediu ao médico que a liberasse para um passeio e ele a concedeu uma tarde fora do hospital. Ana preparou um piquenique para as duas, que seria feito na Lagoa Rodrigo de Freitas. Ao chegarem, comeram os sanduíches feitos pela garota. A mãe estava feliz.

- Era bem assim que imaginava. Não sinto dor. Obrigada por esse dia, minha filha - Beatriz disse, já deitada no pano. Se foi.

- Mãe? - Ana chamou, mas não obteve resposta - Mãe, não! Por favor, agora não! - a garota chorava, batendo as mãos na grama - Volta!

Quando caiu em si, Ana fechou os olhos de Beatriz e ligou para o pai, que minutos depois chegou.

- Pai, ela estava comigo! Ela estava feliz, rindo, e de repente... - ela soluçava - se foi.

-Sua mãe esperou que voltasse. Ela queria se despedir... - Fernando disse, abraçando a garota.

Ana não conseguia dizer mais nada. Quis sair correndo para bem longe. Para longe daquele lugar, para longe daquela situação. Sua mãe havia morrido e a dor era insuportável.

Quis ligar para Shawn, mas o garoto já estava preocupado com outras coisas. "Coisas mais importantes do que uma menina que ele conheceu de repente em uma estação".

Dez horas depois, muitas pessoas já sabiam da morte de sua mãe mas Ana nem quis saber do celular. Ficou sentada tentando entender o que havia acontecido. Os últimos dias haviam sido muito intensos e não sabia o que estava por vir. "Um dia de cada vez é o caralho", pensou.

A garota estava sozinha. Queria ficar sozinha. Mas naquele momento Ana não conseguia enxergar que quanto mais pessoas das quais amava estivessem próximos, menos sofreria. Porém, preferiu ficar só. E dificilmente aguentaria o peso de tudo aquilo sem alguém por perto.

Blinding Lights | Shawn MendesWhere stories live. Discover now