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A Rua Pedacinho do Céu amanheceu envolvida numa atmosfera que representava o contrário do seu nome. Não porque o calor era extenuante, antes mesmo das nove da manhã. Na verdade, o tempo estava terrivelmente nublado, contrariando os meteorologistas locais.

Se aquela fosse uma manhã normal a Sra. Lawrence faria o melhor café da manhã para o seu marido, que estaria ocupado demais prestando a atenção no jornal matinal para notar o chupão no pescoço da mulher ou o fato de ela se empoleirar na janela sempre que o vizinho fitness dava a sua corrida matinal.

Se aquela fosse uma manhã normal o Sr. Montgomery passearia com os seus três cachorros e deixaria de proposito um belo par de fezes em frente ao portão da Sra. Costa, que estaria ocupada demais fofocando com a Sra. Ferry sobre o fato da Sra. Lawrence não tirar os olhos do novo vizinho para notar.

Mas aquela manhã na rua Pedacinho do Céu, que mais parecia o contrário, não era uma manhã normal.

― Você quer dizer um incêndio? ― Perguntou a Sra. Lawrence. Era uma mulher loira de meia-idade, conservada pelas aulas de pilates e duas horas e meia na academia do bairro.

― Incêndio. Incêndio. ― Concordou a Sra. Costa. Uma senhora gorducha com bobes no cabelos e olhos de rapina. Não gostava da Sra. Lawrence, mas quando se tratava de fofoca, todas eram amigas.

― As crianças... tem alguma vítima? ― Perguntou a Sra. Ferry, que era magricela e pálida, com um pescoço anormalmente grande e propício para o momento.

― Acharam todas... Eu acho. ― Respondeu a Sra. Costa.

― Vocês acham que podem ser um incêndio criminoso? ― A Sra. Lawrence perguntou em tom paranoico.

― Quem poderia querer matar uma dúzia de garotas? ― A Sra. Ferry respondeu.

― Se eu fosse apostar em uma apostaria naquela de cabelo cacheado. ― Disse a Sra. Costa. ― Não me olhem com essa cara! Vocês estavam tão preocupadas quanto eu quando ela chegou.

― Pobrezinha. ― Disse a Sra. Lawrence, estufando o peito quando o novo vizinho suado da corrida chegava à rua.

A Sra. Costa e a Sra. Ferry se entreolharam de maneira significativa. A simpatia momentânea causada pelo momento da fofoca se perdeu e logo a Sra. Montgomery, sem perceber, havia voltado a ser a mulher mais bonita e mais promiscua da rua. Ao menos alguns fatos daquela manhã esquisita não haviam mudado por completo.

As três senhoras fofoqueira da rua não disseram nada quando o carro preto e lustroso virou a esquina em direção ao orfanato, mas acompanharam com os olhos felinos e interessados.

― Só podem ser os federais! ― Disse a gorducha. ― Eu disse que elas estavam metidos em algo errado.

O orfanato ficava numa pequena colina no fim da rua. Os portões eram de ferro e enferrujados. Toda construção era antiga e caindo aos pedaços. Não passava de uma casa que no passado pertencera a uma família rica, mas que agora era pequena demais para abrigar as dezesseis garotas que ali viviam.

― William, quero que lide com os vizinhos. ― Pediu o passageiro do carro assim que estacionaram. ― Charlotte, quero a versão dos fatos das jovens.

Charlotte Lovegreen balançou a cabeleira ruiva e saiu do carro com o seu bloquinho de anotações. Encontrou na calçada um grupo de adolescentes chorosas e desoladas e engoliu em seco. Não estava acostumada a lidar com esse tipo de situação. Era a sua primeira missão e deveria ser impecável.

As Raças IrmãsWhere stories live. Discover now