43

113 17 5
                                    

No sétimo dia seguinte à festa das fadas e no último dia do mês de julho Éfero parou de cavalgar e se recostou no tronco de uma árvore.

Brascard era uma terra distante àquela altura e ele iria para um lugar mais longe ainda que os Desertos Áridos. Não eram só os Guardiões que estavam atrás dele naquele momento, mas o seu irmão Círon e o que restava da Cavalgada. 

Ele colheu folhas para o curativo que faria em quase todo o corpo. Perdia longos minutos naquela tarefa e cada um deles era essencial. Podia ser a diferença entra a vida e a morte.
Tirou o resto de folhas das feridas e arquejou para os ferimentos e a dor que lhe provocavam. Maldita! Mil vezes Maldita!

Subestimou a sua força. Deveria tê-la matado na floresta quando teve a chance. A sua vingança veio de antemão. A morte do garoto Cardragon era só o começo.

A floresta abafada ficou silenciosa e através daquela noite fria e sem lua ele viu dois pontos cintilantes ao longe. As luzes cresceram à medida que o animal rastejou em sua direção.

A serpente experimentou o ar com a língua e de perto ele viu as suas escamadas esverdeadas sob a pele alongada e fria.  Os olhos ofídicos de cor amarela piscaram, mas serpentes quaisquer não o faziam.

― Demorou tempo demais. ― Ele murmurou e voltou aos curativos.

A serpente se recolheu ao redor do próprio corpo como uma bola de pele. O réptil deu lugar a um homem curvado que se endireitou à medida que se transformava.

― Tinha alguns assuntos para tratar. ― Ele falou num tom sibilante. ― E não foi nada fácil encontra-lo.

― Isso é reconfortante. ― Éfero admitiu.

― Você está péssimo. ― O homem-cobra apontou.

― Não tive tempo o bastante para me preparar para recebe-lo. ― Ele disse com desdém.

O homem-cobra passou a língua nos dentes. Um costume adquirido pelos tempos transformado.

― A sua situação foi bastante discutida na última reunião. ― Ele se recostou num galho.    

― Pensei que ficaríamos inertes até o ultimo carregamento. Porque não fui convocado?

― Concordamos que você tem estado muito visado na última semana. ― Ele deu de ombros.

Éfero concordou à contragosto. Se afastaria por um tempo e quando o Príncipe tomasse o seu lugar de direito, então ele retornaria para receber a atenção merecida. Círon assistiria por uma vista bastante privilegiada. O pensamento o agradou por um momento.

― Como o soberano está?

O homem o avaliou com os olhos de serpentes, então disse de modo solene:

― Impaciente. ― Ele gostava da nova posição. Aqueles olhos cheios de grandeza revelam demais. ― Nada que não seja resolvido em breve. A sobrevivência do garoto foi um contratempo e o ataque não sucedido dificultar as coisas.

― Cardragon... sobreviveu? Isso não é possível!

O homem-cobra concordou. Possuía informação e faria o centauro implorar.

― Ela tem mais poderes do que imagina. Foi um terrível erro tê-la deixado livre.

― Mas esse mal pode ser remediado, não?

― Com certeza. Ela tem estado bem guardada, mas um dia em especial mudará tudo. ― Ele revelou. ― Até lá algumas ervas daninhas serão arrancadas e então poderemos prosseguir. Puros, dessa vez.

Éfero fez menção de dizer algo, mas a palavra ficaria para sempre engasgada em sua garganta. O centauro não percebeu as centenas de serpentes que se esgueiravam por aquela floresta e que espreitavam o pedaço de carne cavalar que poderiam experimentar.

As suas companheiras se enrolaram sob o seu corpo e envolveram o seu pescoço num movimento apertado. Os olhos de Éfero ficaram esbugalhados e as veias do rosto saltaram.

O homem-cobra experimentou o ar com a língua. Ah, o cheiro de carne, o deleite dos seus sonhos sendo aniquilados vagarosamente e algo mais... O doce aroma do sangue penetrou em suas narinas e fez a sua língua se eriçar. O seu instinto animal fluiu por todas as dimensões do seu corpo. Ah! Podia sentir o sangue sendo bombeado por aquele coração anormalmente grande. Mas ele se retraiu. Aquela carne era impura. Ele se aproximou, então sorriu no rosto ofídico.

― Ao homem, se é que posso chama-lo assim, à beira da morte devemos a verdade. Nunca houve espaço para alguém como você na Nova Ordem. ― Ele revelou. ― Você foi útil até mesmo para o membro de uma escória como vocês, mas deixou de ser. Você é excedente e os excedentes são expurgados.

Éfero gorgolejou e o sangue explodiu sobre suas narinas e olhos.

― Você conhece aquela canção? ― O homem-cobra tripudiou. ― Nas noites escuras e em lugares sombrios haverá um ponto de luz. É o protetor que vem. É o protetor que vem. A espada na mão e o escudo na outra, ele faz jus. É o protetor que vem. É o protetor que vem...

O protetor não viera.

As Raças IrmãsOnde histórias criam vida. Descubra agora