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Althariel andava de um lado para o outro com a sua túnica preta de veludo e vários cordões e anéis coloridos. Ivan o observava impaciente com a bengala pendendo ao lado do seu corpo.
Twyla pigarreou e os dois deram-se conta de que não estavam mais sozinhos.

― Sente-se senhorita Crawley, por favor. ― Althariel pediu.

Helena obedeceu e esperou, enquanto ele terminava a sua sequência de andanças pelo gabinete. Ela olhou para traz de modo preocupado e Twyla deu um meio sorriso.

― Não é costume meu tomar decisões equivocadas, mas creio que dessa vez devo admitir que as tomei. ― Ele olhou nos olhos de Helena e deu um sorriso triste. ― A prova de que não importa o quão velho nós somos, no fundo, não passamos de crianças em eterno aprendizado.

Helena olhou para Ivan e Twyla, buscando algum apoio, mas os dois estavam compenetrados naquele discurso biruta.

O ambiente ameno e acolhedor foi preenchido por uma brisa gelada que fez o seu corpo se arrepiar. Will deixou a máscara presunçosa de lado e cerrou o maxilar com uma expressão brutal, feito um anjo de gelo.

― O que eu estava dizendo? Ah sim! Isso chegou essa manhã. ― Althariel recuperou o fio da meada.

Helena pegou o papel pardo enrolado e com o selo violado das mãos enrugadas do diretor. Ela leu as três linhas umas três vezes até que conseguiu falar novamente.

― Como você pôde?

O fogo se espalhou pelo o seu corpo, mas ela não se importou. Todos esses meses medindo as próprias palavras e controlando o seu temperamento e para que? Ela nunca entendeu tanto a frustração de Charlotte como naquele momento. As pessoas mentiam o tempo todo.

Todo esse tempo crendo que estava sozinha no mundo, mas não estava. A família Crawley fora liquidada, mas os Dunne ainda existiam. Todos esses meses de solidão e ela tinha avós maternos. Avós. Família.

― Helena... ― Ivan chamou a sua atenção.

― Não diga o que eu devo ou não fazer. ― Ela disse entredentes.

― Eu sei que você está com raiva. ― Twyla tentou encostar no seu ombro, mas retirou a mão com um gemido.

― Você não sabe de nada! Nenhum de vocês sabe.

Um par de mãos frias segurou os seus braços pelas costas. Will emanou o seu poder para que por um momento Helena se concentrasse nele. Não estava funcionando.

― Você precisa se acalmar ou vai incendiar todo esse lugar. ― Ele avisou.

― E se eu não me importar? ― Ela sussurrou.

― Você sempre vai se perguntar: e se?

Helena soltou o ar e deixou que o frio de Will entrasse em seus pulmões e combatesse o seu calor. O fogo se abrandou e ela sentiu que todos na sala respiraram aliviados.

― Eu sinto muito. ― Ela olhou para Twyla que segurava a mão vermelha.
― Eu não quis...

― Está tudo bem, minha querida. ― Twyla falou com os olhos preocupados.

Helena se virou para Althariel, que estava perdido em pensamentos em sua própria mesa. Havia alguma coisa em sua expressão, não medo, mas um reconhecimento espantoso.

― Josephine e Robert Dunne estavam de férias numa região remota no Egito. ― Ele explicou. ― Demorou muito para que conseguíssemos contatá-los e demorou muito para que eles nos respondessem. 

― Concordando em me ver amanhã.

― Se você quiser. ― Ivan ressaltou.

― É claro que eu quero!

― Pois bem, o senhor Cardragon a acompanhara durante a sua estadia na residência dos Dunne. ― Althariel começou a preencher alguns formulários. ― Você não é exatamente popular, portanto precisa que alguém a proteja se for o caso. Além do mais, William tem uma quantidade considerável de horas de detenção para cumprir. 

― Uma babá? Sem ofensas, Will. ― Ela franziu a testa.

― É, uma babá. ― Will não pareceu animado.

Althariel a dispensou em seguida, mas a protetora captou o olhar preocupado entre o diretor e Ivan e se perguntou se havia alguma coisa que os dois não lhe contaram.

Antes que Helena pudesse chegar a sala dos Leões Destemidos, sentiu o vento frio roçar na sua nuca e viu Will no fim do corredor. O protetor fez um movimento com a cabeça sugestivo e partiu. Helena o seguiu.

No meio do corredor o rapaz desapareceu, a protetora estava pronta para ir embora, quando um par de mãos a agarrou e a puxou para trás da tapeçaria. Will estava escondido numa pequena reentrância do castelo, que podia muito bem ter sido um antigo armário.

― O que...? ― A protetora começou a perguntar, mas foi interrompida pelos dedos de Will.

― Só espera. ― Ele disse.

A proximidade entre os dois fez a magia de Helena brincar dentro dela. O fogo gostava de provocar o gelo e vice-versa. A garota se perguntou se Will sentia o mesmo, mas preferiu ignorar, quando ouviu passos apressados no corredor.

― Foi por muito pouco. ― Disse Twyla, baixinho.

― Althariel tinha os seus motivos e você bem sabe. ― Ivan o defendeu. ― A segurança ainda é e sempre será prioridade. 

― A troco de quê? ― Ela indagou. ― Os conselheiros rodeiam a Chanceler feito abutres. Um movimento em falso e estamos todos condenados.

― Precisa confiar, Twy! Margareth não cairá e quando o momento chegar estaremos prontos para enfrentar o que vier.

― Não adiantará nada se ela não sobreviver até lá. ― Twyla continuou. ― Existem outros meios de fazer isso Ivan e você bem sabe. Meios que não envolvem mentiras e traições.

― Brascard foi construída em cima de mentiras, Twy. É tarde demais para se arrepender agora. ― Ivan sussurrou, conforme se afastava do corredor. ― Já estamos condenados.

Helena esperou uns bons segundos para soltar o ar. Dezenas de perguntas envolviam a sua mente e a menina se limitou a encarar Will.

― O que foi isso? ― Ela sussurrou para o rapaz.

― Entendo a sua frustração. ― Will se virou para ela. Os seus sussurros faziam cócegas no ouvido de Helena, perto demais...

― Qual das minhas frustraçõe? ― Helena se limitou a rir amargamente.

― Você não suporta mentiras. Não depois de tantas mentiras que ouviu por aí. ― Ele brincou com os cachos do cabelo de Helena. ― Só achei que deveria saber.

Will se afastou e Helena se viu sozinha naquele espaço escuro e empoeirado. A protetora alcançou o rapaz quase na virada do corredor e agarrou o seu braço. O rapaz se virou lentamente, a expressão em seu rosto era uma máscara fria.

― Saber o que? ― Ela insistiu na pergunta. ― O que foi tudo isso? ― Helena gesticulou para o corredor vazio.

― Eu só queria que você soubesse ― Will deu um passo na direção de Helena, que se afastou batendo contra a parede fria do corredor. ― Que você é ingênua demais para esse lugar.

O hálito frio de Will atingiu as bochechas de Helena e depois que o rapaz se afastou dela, caminhando de um jeito preguiçoso no corredor. A protetora se permitiu tocar aonde a magia dele a atingiu e se deparou com pequenos e delicados flocos de neve. 

As Raças IrmãsOnde histórias criam vida. Descubra agora