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Helena encontrou Charlotte comendo sozinha na única mesa redonda ocupada no salão de banquete.

― Aonde estão todos? ― Ela se sentou.

― Will está por aí e os outros estão em reunião. ― Foi a resposta. ― Bela roupa!

― Obrigada, ficou um pouco apertada. Suponho que essa reunião seja sobre mim.

Charlotte fez que sim com a cabeça. Os criados puseram um prato para Helena, que se serviu de costelas e uma espécie de grão colorido.

― Você come como se sua vida dependesse disso. ― Charlotte observou.

Helena engoliu a comida e pegou mais um pãozinho laranja.

― E não depende? ― Ela sorriu.

― Sim, mas... Deixa para lá.

― Eu sei não tenho modos. ― Devolveu o segundo pãozinho que havia na cesta. ― Madalena vivia falando isso.

― A mulher que você... ― Ela parou a frase na metade.

Helena assentiu, envergonhada. Todos saberiam mais cedo ou mais tarde.

― Ela era má, entende? Não sei como conseguimos sobreviver por tanto tempo. Ela me castigava o tempo todo. E... ― Helena parou, cerrando os pulsos. ― Não era para um lugar agradável que ela mandava aquelas que cresciam.

Charlotte se mexeu na cadeira desconfortável. Ela deveria saber àquela altura.

― Aqui você pode comer o quanto quiser. ― Ela encorajou. ― Em abril eles fazem um banquete especial por causa do início da colheita, chama-se Dia dos Grãos. Os alunos caçam e também trocam chocolates.

― Como na pascoa. ― Helena observou. ― Menos a parte da matança dos animais, é claro.

― Ninguém consegue me vencer no meu arco-e-flecha. ― Ela sorriu.

  ― Talvez eu tenha alguma sorte. ― Helena falou, se servindo de mais comida.

A pascoa era triste para a maioria das garotas, principalmente as pequenas. O seu peito se apertou e ela desejou ouvir a barulheira costumeira das meninas quando Madalena não estava por perto. A forma como cuidavam uma da outra como irmãs. 

Charlotte olhou para a janela e estreitou os olhos, então se retirou sem se despedir e Helena se viu sozinha naquele salão de banquete opulento.

Os criados apareceram e recolheram os pratos. Não faziam barulho ao andar, não esperavam ser notados, mas Helena os notava. E quando se retiraram, Helena não pensou duas vezes em segui-los.

Atrás de uma porta escondida sob uma tapeçaria, depois um lance de escada de pedras, ficava a cozinha. O cheiro da boa comida era familiar. No fim da escada um corredor cheio de portas se estendia e no ultimo cômodo, que não havia porta, ela ouviu um tipo de comoção.

As pessoas andavam de um lado para o outro, lavando pratos, carregando panelas e servindo comida. Mora havia dito que eles só comiam depois dos protetores e quando uma senhora ruiva e gorducha gritou ordens, Helena se escondeu nas sombras do degrau mais alto.

Os criados ficaram em silêncio, enquanto a Sra. Ryan agradecia e ao final o tinir das louças e o falatório começou a ressoar. Ela quis se levantar e partir, afinal não tinha a intenção de invadir o espaço alheio, mas a curiosidade falou mais alto. Principalmente, após Mora, perguntar:

― Qual história vai contar hoje?

Os outros fizeram coro no pedido e a Sra. Ryan se aprumou.

― Vocês conhecem a história sobre os irmãos sob as estrelas?

Helena se encolheu ainda mais e forçou o ouvido.

― No princípio, antes dessa civilização ou dessas edificações existirem, havia sob as estrelas quatro irmãos que cavalgavam sob o desconhecido. ― A Sra. Ryan cativou a atenção de todos. ― Naquela imensidão não existia o tempo ou a morte. Os irmãos simplesmente existiam. É claro que a vida deles não era infeliz, pois eles se contentavam em nos observar. O seu maior erro.

A Sra. Ryan prendia atenção de todos ao se aproximar do fim da história da irmã sob as estrelas que se apaixonou por um mortal. Helena estava tão concentrada, que mal ouviu os passos atrás de si.

― Você não devia estar aqui. ― A sua voz não era maior do que um sussurro. 

Helena viu a figura de Will parado no topo da escada com uma expressão indecifrável.

― Você também não. ― Ela voltou a atenção para a Sra. Ryan, temendo ser ouvida.

― Faça o que você quiser, eu não ligo. ― E foi embora.

Helena suspirou e subiu os degraus à sua procura. Will já estava no fim do corredor, quando ela o alcançou.

― Qual é o seu problema? ― Ela o puxou pelo braço. ― É porque eu bati em você?

― Você realmente pensa que é capaz de me machucar, garotinha?

Helena nao gostou do seu tom e tratou de controlar a raiva.

― Pois para mim você parece mesmo que esta com o ego ferido! Se não foi isso, deve ter sido por causa do que aconteceu na praça...

Will se desvencilhou. O seu rosto era uma máscara de desprezo, como se.… Helena engoliu em seco. Era como se o seu toque lhe provocasse repulsa.

― Você não sabe de nada! Só fique longe deles, entendeu? ― Ele vociferou. ― Ninguém gosta de uma bisbilhoteira.

Helena queria dizer que não entendia, mas Will já havia partido sabe se lá para onde.

As Raças IrmãsOnde histórias criam vida. Descubra agora