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A notícia da briga entre Helena e Brandon já havia percorrido os quatro cantos da Academia em todas as versões possíveis. Nenhuma delas era a verdadeira, mas quem se importa com a verdade em meio a tantos boatos capciosos?

Thomas levou uma bronca de Althariel por ter deixado Helena sozinha. Ele se desculpou mil vezes com Helena depois do jantar e ficou ainda mais cabisbaixo depois de ver o hematoma ao redor da boca.
Do outro lado do salão de banquete Helena viu Charlotte desaparecer rapidamente.

― Está tudo bem de verdade, Thomas. ― Ela assegurou e se levantou.

― Onde você vai? ― Ele fez menção de se levantar.

― Emergência feminina. ― Mentiu e viu Thomas corar.

Will gargalhou ao seu lado. Por um instante ele olhou para a mesa, procurando alguma menina para acompanhá-la, mas a mesa deles estava completamente vazia desde então.

― Isso é sério? ― Ela perguntou, então correu pelo salão de banquete e alcançou Charlotte no corredor.

― Helena, você não deveria estar aqui.

― Você vai sair sem mim. ― Ela acusou. ― Eles voltaram a se encontrar?

Charlotte crispou os lábios. Veritax não mentiam. Ela concordou com a cabeça.

― Eu posso despistá-los se você me der um tempo. ― Mas Charlotte segurou o seu braço, antes que ela partisse.

― Você não pode me acompanhar e sabe muito bem porquê.

― E daí? É perigoso para você também, mas eu não vejo ninguém te cercando.

― Não tem um assassino à solta atrás de mim. Não se preocupe, tudo o que eu descobrir eu te conto. Você ainda tem aquela adaga que encontrou?

Helena assentiu e tirou a adaga que guardava consigo no bolso oculto das botas.

― Tem um carregamento suspeito chegando em Brascard. Acredito que são as armas que os Profetas estão contrabandeando. ― Ela explicou. ― Estarei de volta ao amanhecer.

Então, a ruiva partiu. Quando Helena voltou cabisbaixa para o salão de banquetes, viu Will e Thomas rindo um para o outro. A mesa deles estava cheia àquela altura, afinal não havia nenhum alvo pintado de vermelho para que eles se afastassem.

Cordelia se lançava para Will de um jeito provocante. A mesma Cordelia que apostou que ela morreria esquartejada. Helena cerrou o maxilar. Nenhum deles parecia preocupado com a sua ausência. Que belos protetores que eram! 

Depois que o jantar terminou ela assumiu o seu lugar de costume nas sombras da escada. Os desprovidos estavam silenciosos, mas ela apenas esperou que a história começasse. O habito reconfortante se perdeu com o acumulo de trabalhos e treino, mas ainda era bom estar ali. Era como ser invisível de novo.

― Você gosta de sentar nesse degrau frio, criança?

Helena ficou tensa.

― Venha. Aproxime-se.

Helena se levantou e entrou na cozinha. O espaço era amplo e todo feito de pedra. Panelas de bronzes estavam por todos os cantos. Assim como verduras, ovos e uma infinitudes de temperos.  O cheiro era agradável e o ambiente quente feito uma fornalha.

A Sra. Ryan estava sentada na cabeceira da mesa, enquanto Rufus lavava a louça. Mora ficou tensa quando a viu entrar. A Sra. Ryan de uma boa olhada nela.

― Há quanto tempo vocês sabem que eu faço isso?

― Desde o primeiro dia. ― Ela riu.
― Eu não quis invadir o seu espaço. ― Helena se desculpou. ― Por favor, não contem para Althariel.

― Bobagem! É uma honra tê-la aqui. ― A cozinheira assegurou. Rufus deixou cair um prato na pia. ― Eita, menino, não vai quebrar as minhas louças, vai? ― Ele negou.

― Eu gosto das suas histórias.

― Você já ouviu falar da mulher partida?

Ela negou com a cabeça. A Sra. Ryan sorriu com satisfação.

― Há muito tempo houve uma mulher que amou dois irmãos. ― A cozinheira começou. ― Ela era descrita de maneira tão bela que até mesmo as estrelas se ofuscavam quando ela sorria. A mulher precisava casar, mas não conseguia decidir qual dos dois amava mais. Os irmãos partiram em perigosas cruzadas para trazer a sua amada os mais belos presentes pensando que assim ela podia decidir-se.

“Um deles trouxe um cajado que havia roubado de um mago. O objeto era adornado em ouro e pedras preciosa e prometia realizar todos os desejos que a sua amada pretendia. O outro trouxe uma pérola roubada do castelo de um sereiano e que estava perdida há muito tempo. A pérola prometia mostrar nuances do futuro.

― Eu não sei o que faria se dois rapazes brigassem por mim desse jeito. ― Helena interrompeu.

“Ouvindo as histórias das cruzadas dos dois irmãos, o rapaz simplório deu a bela dama de presente um livro. Os irmãos riram do pobre homem por levar algo tão simples para uma dama tão especial e extraordinária.
 
“― Porque está em branco? ― Perguntou a jovem dama.

“― Para que a senhorita possa escrever a sua própria história. ― O bibliotecário respondeu.

“A mulher agradou-se da resposta e passou a olhar o bibliotecário com outros olhos. Enquanto os irmãos gananciosos foram buscar tesouros vizinhos, aquele homem simples lhe presentava com algo que poderia ser encontrado em qualquer lugar. Liberdade”

― O que aconteceu com a mulher?

― Viveu feliz com a sua vida simplória até o fim de seus dias. ― A Sra. Ryan respondeu.

― Mas e os dois irmãos?

― A mulher os agradeceu pelos anos que serviram a ela, dando a cada um deles metade do seu poder. Ela era versada em magia, mas optou por ser uma mulher simplória. Pouco tempo depois a notícia de que mataram um ao outro, pois disputavam qual deles recebeu mais poder.

― O amor não se conquista com ouro ou joias. Não se pode comprar o amor. ― Helena disse para si mesma. ― Ela não deveria ter repartido o seu poder com aqueles dois.

― Eu sabia que ia gostar dessa história.

Rufus bufou. Não era totalmente bem-vinda ali.

― Eu já vou indo. ― Ela disse.

Mora fez menção de se levantar.

― Fique Mora, por favor. Eu sinto muito ter sido meio intrometida. ― Ela já estava a porta.

― Venha sempre que quiser. ― A Sra. Ryan assegurou.

A Academia estava silenciosa e escura. Já havia passado do toque de recolher e ela caminhou decidida até o quarto, esperando não topar com nenhum professor em meios aos turnos noturnos para pegar algum aluno fujão fora da cama.

Ela encontrou a mochila intacta embaixo da cama e pegou o laço brilhante e a adaga. Em algum lugar lá fora Charlotte investigava os Profetas do Caos. Agia feito uma protetora de verdade, enquanto ela era seguida por todos os lados feito uma criança.

Tomada pelo impulso calçou as botas e vestiu a capa preta longa. Se o assassino dos seus pais estivesse à espreita, o que ela duvidava, não seria tão ruim. O enfrentaria. Poderia vencê-lo se quisesse e sabia disso, por mais que todas as chances estivessem contra ela. Mas se mesmo assim morresse, ao menos encontraria seus pais. 

***

O próximo capítulo é curtinho, mas é na perspectiva do Will, espero que vocês gostem!

As Raças IrmãsOnde histórias criam vida. Descubra agora