16

226 35 7
                                    

Althariel pôs a xicara na mesa e suspirou, pensativo. Ele foi até a parede com vários quadros e fez um sinal para que ela se aproximasse. 

― Não é certo que um diretor tenha favoritismo, mas mesmo entre setecentos alunos, muitas vezes alguns se destacam.

Do quadro que Althariel admirava, Helena apenas reconheceu as figuras mais jovens dos pais. Francis estava bronzeado e em plena forma segurando um troféu ao lado de um rapaz com cabelos escuros, ao seu lado, Tereza com os cabelos castanhos e os olhos espertos, exibia um sorriso. 

― Na juventude urgente e impetuosa mal sabiam que havia um traidor entre eles. ― Althariel apontou.

Era um rapaz franzino de cabelos castanhos e olhos claros. Ao contrário do que Helena imaginou nada em suas feições dava a entender que era um assassino cruel. Ao contrário, parecia amigável e bondoso... a não ser pelo sorriso de tubarão.

O assassino de seus pais estava abraçado a uma garota bonita e imponente, que se destacava na foto pelos seus cabelos cacheados e olhos de maresia. A cicatriz de Helena formigou em suas costas.

― Ele nunca se recuperou dos horrores da guerra. ― Althariel media cada palavra. ― Ninguém o viu por anos, até que uma tragédia fez com que o caminho de seus pais se cruzarem com os dele.

Os seus pais haviam sido mortos por um amigo. Foram traídos. Sequer se defenderam, não até entenderem o que estava acontecendo. Helena se esforçou em abrandar o fogo que consumia o seu interior. Se deixasse fluir apensas por um segundo destruiria tudo. Althariel a observou com os olhos estreitos.  

― Você deve estar exausta. ― Ele foi em direção à porta. ― Aproveite o resto do dia para descansar.

Helena concordou aliviada com um aceno de cabeça. As paredes do gabinete se encolhiam em sua volta e ela respirou fundo quando chegou no corredor.

― Já não era sem tempo. ― Charlotte descruzou os braços e se aproximou. Ela substituiu as roupas comuns pela túnica rocha e calças marrons. Exibia uma adaga fina presa sob o cinto de armas. ― Vou te mostrar o seu quarto.

O quarto inteiro parecia ter saído de um romance de Jane Austen. Os móveis antigos faziam parte do mesmo conjunto. Além da cama de dossel, havia uma penteadeira, um criado-mudo, um armário e uma escrivaninha. Todos brancos com detalhes dourados. Havia uma segunda porta que dava para um pequeno banheiro.

― As aulas só começam oficialmente em duas semanas, então você terá tempo o bastante para se situar. ― Helena lhe lançou um olhar duvidoso. ― Twyla, a bibliotecária, deixou uns livros para você caso queria ler um pouco. Eu trouxe algumas roupas também, talvez lhe sirvam.

― Não precisava. ― Helena murmurou. 

― Precisava sim, porque você está fedendo e não vai se situar nunca se continuar desfilando de jeans por aí.

Depois que Charlotte partiu, Helena despejou sais sob banheira de água quente. Ela fungou as axilas e fez uma careta, Charlotte tinha razão. 

A água mudou de cor verde à rosa e depois para o azul. Ela soltou os cabelos embaraçados e tentou relaxar, mas os recentes acontecimentos a impediam.
Numa hora era apenas a menina esquisita do fim da rua, que se ocupava em conseguir algum trocado para comprar livros usados e que vivia perambulando sem destino pelo centro do Rio de Janeiro. Mas agora era mais do que isso.

Ela se levantou quando as pontas dos dedos começaram a ficar enrugadas. Vestiu a túnica verde-musgo de Charlotte, que apertou um pouco nas pernas. Quando se olhou no espelho depois de calçar as botas de couro que iam até os joelhos, ela gargalhou. 

― Parece que saí de um RPG.

― Eu acho que a senhorita está muito linda.

Helena se virou e viu uma garota de feições sem graças e pálida segurando uma bandeja. Os seus cabelos escuros estavam presos num coque frouxo e ela não vestia uma túnica, mas um vestido marrom e um avental gasto.

― Mora, trabalho na cozinha, mas vou cuidar da senhorita a partir de agora. ― Ela deixou a bandeja em cima da escrivaninha.

― Helena. Mas, eu não preciso de uma criada, obrigada.

Mora arregalou os olhos e recuou. Helena piscou e se perguntou se a havia ofendido.

― Eu sinto muito. ― Disse, baixinho. ― Não estou acostumada com pessoas cuidando de mim.

Mora assentiu, obediente.

― Todos os alunos têm uma... criada?

― Ela foi até a bandeja de prata e avaliou os sanduiches e bolinhos.

― Só a senhorita. Os outros aprendizes são servidos, mas não de maneira pessoal.

― Você estudou aqui?

Mora sorriu de um jeito triste e Helena arregalou os olhos, talvez ela não tivesse dinheiro para custear os estudos, mas se lembrou que Althariel não lhe disse nada sobre preços.

― Nem todos contam com essa sorte. ― Foi só o que ela disse. ― Posso ajuda-la com isso? ― Ela apontou para a túnica.

Helena assentiu. Mora se aproximou e habilmente desamarrou o nó que Helena havia feito nas costas e o substituiu. Depois começou a pentear os seus cabelos cacheados. Helena se desvencilhou, constrangida.

― Eu gosto de eu mesma pentear. ― Helena se ocupou das funções e viu Mora olhar de soslaio para a bandeja. Conhecia aquele sorriso. ― Pode pegar.

Mora negou e se manteve com uma estátua paciente e quieta enquanto ela terminava com os cabelos. Helena estendeu um dos bolinhos açucarados em sua direção e ergueu a sobrancelha. Mora não negou novamente e o devorou. Aquele olhar. Por muito tempo fora aquela garota envergonhada e faminta.

― Eu sinto muito, sinto muito, senhorita. ― Mora se desculpou. ― Só comemos depois dos senhores e tudo tem sido uma loucura desde a chegada da senhorita. A Sra. Ryan fez dezenas de bolinhos para agradá-la e normalmente não os comemos... ― Ela tagarelou.

― Está tudo bem. ― Helena repetiu pela milésima vez. ― Diga para a Sra. Ryan que estavam maravilhosos.

Mora saiu e levou a bandeja consigo. Helena olhou para a pilha de livros que estava sob a cama. Daria uma olhada neles mais tarde, pois tinha um castelo para explorar.

As Raças IrmãsWhere stories live. Discover now