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A guerra começou poucos dias depois. Naves da Irmandade Jaguar aterrissaram próximo à casas mais afastadas, e homens e mulheres vestidos de marrom e fortemente armados e tomaram parte da área. Quando começaram a montar acampamento e cavar trincheiras, Adriana declarou estado de emergência.

Haru chegou no dia seguinte, acompanhado por um pequeno batalhão de soldados, essenciais nos conflitos que viriam. Segundo o general, era um exército voluntário, com uma pequena contribuição financeira do governo de Umikizu.

A primeira vez que os dois frontes trocaram balas foi equilibrada, ninguém perde ou ganhou terreno, mas Adriana nunca vira tal cenário, com corpos espalhados pelo chão, alguns desfigurados por tiros e irreconhecíveis. Passou horas trancada na Concriz, sem falar nem mesmo com Luny, tentando absorver a nova realidade.

Ao sair, foi direto até Haru e pediu que ele a ensinasse a usar armas. Depois, cortou o cabelo até ficar rente aos ombros, pois cachos longos não ajudariam em nada.

Passadas quatro semanas de conflito, Adriana sentia que envelhecera dez anos. Todos os imigrantes que não se voluntariaram a lutar foram embora e os seus planetas de origem declararam que não permitiriam que mais ninguém fosse para a Terra até que estivesse seguro. As cabanas se tornaram alojamentos dos soldados.

Mais de uma vez Alisha sugeriu conversar como os Jaguares, o que foi imediatamente desconsiderado não apenas pelos inimigos não demonstrarem conversar, mas também porque, do que Adriana observou no acampamento inimigo, os líderes da irmandade não estavam ali.

A princesa de Maat não suportava a visão de brutalidade do campo de batalha, e para se manter longe foi trabalhar na enfermaria, junto de Kantu. O resto passou de senadores a generais, comandando estratégias diariamente.

-- Se eles nos atacarem amanhã à tarde, podemos mandar um grupo pequeno ao acampamento deles e sabotar os filtros de água – Nyela sugeriu na quarta semana, durante uma reunião – Se ficarem doentes pela água contaminada, não poderão mais lutar.

-- Mas seria uma trapaça – Haru contestou – Que honra existem em vencer um inimigo causando-lhe uma diarreia? Seria uma vergonha.

-- Na situação em que estamos, não podemos nos preocupar com honra ou vergonha – Samir argumentou, pedindo com um gesto para Luny mostrar um mapa, e o robô exibiu um holograma da área – Os Jaguares estão avançando em terreno, e noite passada uma nave pousou na área deles. Trouxe suprimentos, munição e novos soldados. Se perdermos mais dos nossos, estaremos à mercê deles.

-- Precisamos de mais tropas – Hope cruzou os braços – Adriana, sua tia não deu nenhuma notícia?

-- Ela disse que ia mandar alguns militares, mas não sei quando chegarão.

Se demorasse mais um pouco, Adriana era capaz de pegar uma metralhadora e pular no meio do campo. Não entendia por que, mas sentia o impulso de ir para o campo de batalha e ajudar os soldados. Talvez fosse culpa por ficar segura no acampamento enquanto os outros eram como peões no xadrez.

-- Pessoal – Alisha entrou na cabana – Desculpe interromper, mas captamos uma mensagem de uma nave militar de Caramuru vindo para cá, e o copiloto pediu para falar com a Adriana.

-- E ele se identificou pelo menos? – Haru perguntou, um pouco desconfiado.

-- Salazar.

Adriana se sobressaltou ao ouvir esse nome e exclamou com a voz esganiçada.

-- Deixe-o passar, eu vou recebê-lo.

Em pouco tempo a nave aterrissou. A jovem esperou a rampa de entrada abrir com o coração batendo descompassado. Quando a rampa desceu, o primeiro a sair foi alguém vestido de militar.

-- E aí, Adriana – Juan sorriu amigavelmente. Ela correu até ele e o abraçou, descarregando toda a saudade que sentira.

-- Não acredito que você está aqui, mas por que veio?

-- Para trazer ajuda, é claro – ele indicou os soldados que saíam da nave e se dirigiam ao acampamento – Aprendi a voar e virei copiloto só para vir aqui.

-- Copiloto?

-- É, com menos de um ano para aprender, não fiquei bom o suficiente para ser piloto.

-- Parabéns mesmo assim. É muito legal que esteja aqui, apesar de tudo isso.

Um homem de cabelos grisalhos vestido de almirante se aproximou e anunciou respeitosamente:

-- Duquesa, almirante Ricardo Rivera, às suas ordens – em seguida entregou-lhe um uniforme da marinha e bateu continência.

Ter pessoas que estiveram recentemente em Caramuru foi muito útil para atualizar Adriana sobre sua família. Juan narrou durante o jantar que a imperatriz demorou para enviar soldados porque muitos senadores eram contrários ao Projeto Terra.

-- E como estão o meu pai e o Edu? – Adriana perguntou a certa altura.

-- Desde que essa história de guerra começou, o senhor Antônio ficou louco de preocupação. Quer que você volte para casa.

-- Mas não posso voltar. Principalmente agora que vocês chegaram, nossas chances de vencer cresceram muito.

Depois do jantar, todos se recolheram, os soldados veteranos mostraram os alojamentos aos recém-chegados. Juan ainda conversou com Adriana a caminho da Concriz. Ele perguntou:

-- Vai usar o uniforme que o almirante te deu?

-- Acho que sim. Vou ficar com mais cara de autoridade, e também posso exibir com orgulho o símbolo do meu planeta.

-- E onde está Luny?

-- Na nave. Ele tem sido muito importante nessa guerra, mapeou todo o terreno, guardou várias informações no HD e chegou a sobrevoar o acampamento Jaguar para espioná-los.

Parando na entrada do cargueiro, o rapaz pôs as mãos nos bolsos e falou, hesitante:

-- Você ficou bonita de cabelo cortado.

-- Obrigada – ela passou as mãos nos cachos.

-- Sabe, Adriana, seu aniversário foi semana passada, né? – era verdade, não foi grande coisa para ela porque os Jaguares lançaram um ataque maciço naquele dia, com direito a granadas. – Eu te trouxe uma coisa que achei que você ia gostar.

-- O quê? – aquele constrangimento de Juan atiçou sua curiosidade, ele não costumava agir assim.

-- Aqui – o rapaz tirou do bolso um disco de armazenamento digital – É uma antiguidade, daqueles que você gosta. O cara do antiquário disse que tem as melhores músicas brasileiras dos séculos XX e XXI. Feliz 22 anos.

-- Obrigada, Juan – Adriana o abraçou. Fazia muito tempo desde que ela usara um cristal para recreação – Você aqui é como chuva na estação seca do ano.

Ele apertou o abraço, e ao se soltarem, lentamente seus rostos se aproximaram até os lábios suavemente se tocarem.

Os dois se encararam por um segundo antes de uma despedida sem jeito, e Adriana entrou na Concriz enquanto Juan se dirigiu ao acampamento.

Quando ela se sentou no colchonete, Luny, que estivera em modo de repouso, acendeu sua luz ocular e perguntou:

-- Seu ritmo cardiorrespiratório se alterou bruscamente 42 segundos atrás. Aconteceu alguma coisa?

-- Foi só um selinho – a jovem trocou de roupa e se deitou. Passou os dedos pela pulseira de conchas, por algum motivo pensando em Eduardo.

ImigrantesWhere stories live. Discover now