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-- Sabia que faz mais de um ano que eu não mergulho? – Adriana perguntou a Luny, olhando para o mar e sentindo o vento no cabelo.

-- Sim, mestre, há exatamente um ano, quatro meses e seis dias a senhora conseguiu uma hora de folga para ir para o mar.

Vestir sua antiga roupa de mergulho fazia Adriana se sentir um pouco como antigamente, e entrar na água era como sumir com tudo, ela voltava a ser uma duquesa despreocupada que gostava de catar velharias em naves.

Uma família de cavalos marinhos saiu em disparada ao vê-la se aproximar, e Adriana entrou na cabine de comando. Avançou por aqueles corredores familiares, agora mais cobertos de lodo, em direção aos poucos quartos que nunca visitara.

Mexeu bastante nas tralhas dos quartos, mas nada chamou sua atenção o suficiente para que levasse consigo. Ao voltar para a praia, encontrou três seguranças esperando, e comentou enxugando os cabelos com uma toalha:

-- Uma imperatriz não pode ter um momento a sós com o oceano?

-- Desculpe interromper, majestade – um deles deu um passo à frente – Mas a senhora pediu para lembra-la do discurso no Senado.

-- É claro, esqueci que foi adiantado para daqui a duas horas. Obrigada, Régis.

Adriana correu para tomar banho e se arrumar a tempo de chegar ao Senado. Já há algum tempo pensava em um projeto para mostrar ao planeta, e queria coloca-lo em prática o mais rápido possível.

O prédio do Senado de Caramuru sempre fazia Adriana pensar no de ShakaZulu, duas ou três vezes maior. Chegando no seu assento, ofuscada pelos flashes dos jornalistas, a imperatriz começou:

-- Como todos sabem, antes do infeliz acontecimento com minha família, eu liderei um movimento pela recolonização da Terra, e apesar dos poucos recursos, teria obtido sucesso. Pela minha retirada o Projeto Terra não sobreviveu, e por isso eu proponho como imperatriz que seja feito novamente, dessa vez com alianças com outros planetas.

Protestos tomaram o salão, e o presidente do Senado precisou pedir silêncio por um minuto para Adriana prosseguir.

-- Nosso povo é o que tem mais potencial para fazer isso porque temos um pouco de todos os outros dentro de nós. A América Latina sempre recebeu imigrantes, e se formou a partir dessa mistura. Nós temos sangue de americanos, europeus, africanos e asiáticos, mas nos esquecemos disso. Somos uma centena de povos em um, por isso é nosso dever unir de volta uma raça inteira.

Muitos aplaudiram enquanto outros protestaram, como era de se esperar. Agora era preciso torcer para que quando chegasse a hora da votação para a aprovação do projeto, os que aplaudiam fossem a maioria.

De volta ao palácio, depois de uma exaustiva tarde mostrando detalhes do projeto aos senadores e respondendo perguntas de repórteres, Luny disse:

-- Levará cerca de seis meses para todos os comitês verem o projeto.

-- Que seja – ela comentou do banheiro – Só queria ver algum progresso real em no mínimo oito meses.

-- Por que especificamente oito meses?

Adriana saiu do banheiro trazendo na mão um objeto branco de formato semelhante ao de um palito de picolé. Luny desceu até o nível dele e leu o que dizia a pequena tira na extremidade. Adriana respondeu à pergunta dele.

-- Porque vai ser nessa época que ele vai nascer.

Ela olhou para o teste de gravidez, sem acreditar que as exigências dos conselheiros por um herdeiro seriam atendidas acidentalmente.

*

Os senadores e políticos no geral que eram contrários à proposta de recolonização se mostraram uma grande pedra no sapato da imperatriz, que passou os meses seguintes dividida entre lidar com eles, administrar Caramuru e fazer exames pré-natal.

A notícia foi recebida pelos conselheiros quase com fogos de artifício, e eles queriam estar a par de tudo referente à sua saúde, chegavam a parecer um bando de mães enxeridas. A animação foi tamanha que demorou um tempo para um deles se tocar de algo que faltava.

-- Quem é o pai, majestade?

O silêncio que seguiu essa pergunta foi esmagador, todos olharam Adriana com expectativa e ela reuniu coragem para responder com simplicidade:

-- Um velho amigo meu – antes que pudesse fazer mais perguntas ela se adiantou – Esperem aí, Caramuru terá um herdeiro afinal, vocês já tem o que queriam. O que importa quem é o pai?

O tom da imperatriz dizia que ela não revelaria nada, e ficou por isso mesmo. Quando a barriga começou a crescer e não dava mais para esconder a gravidez, a imprensa caiu matando, questionando sem parar quem era o pai do futuro príncipe ou princesa.

E a imperatriz se mantinha sempre firme em não revelar, ignorando quaisquer comentários direcionados a ela por isso.

Durante uma festa beneficente, Juan veio até ela com um sorriso tímido no rosto.

-- Olá, Juan. Como vai a investigação? – Adriana perguntou oferecendo uma taça de champanhe a ele.

-- Progredindo – ele aceitou a taça e baixou a voz – A coisa é muito maior do que pensávamos, os Jaguares possuem uma teia de agentes e informantes por todo o planeta. Pode haver Jaguares até no Senado.

Isso não era tão difícil de acreditar, do jeito que alguns políticos lutavam com unhas e dentes contra o novo Projeto Terra. Adriana pensava se devia ordenar que fossem investigados a fundo quando Juan indagou meio sem jeito:

-- Então... Vai ser menino ou menina?

-- Ah – ela levou a mão ao ventre inconscientemente – Não sei, quero que seja uma surpresa.

-- Já pensou no nome?

-- Só tenho algumas ideias, nada certo ainda. Fico pensando que tem que ser um nome muito bonito, já que terei que chama-lo pelo resto da vida.

-- Verdade – Juan riu. Pareceu que ele ia falar mais, porém desistiu, apenas desejou boa noite e se afastou.

*

Os amigos estrangeiros de Adriana ligaram sem parar quando a notícia veio a público. Alisha quase dava pulos de alegria.

-- Que lindo, Adriana, você vai ter uma princesinha. Ou principezinho, sei lá.

-- Nossas crianças podem ser amigas, afinal não vai ter nem um ano de diferença entre elas – Haru comentou sorrindo.

Samir e Nyela desejaram felicidades pelo herdeiro, mas Hope foi um pouco mais além e perguntou:

-- Mas quem é o seu consorte?

-- Hope... – Adriana revirou os olhos.

-- Conta pra mim pelo menos. É o Juan?

-- Hope! – Adriana exclamou.

-- É ele, não é? Ou pode ser aquele seu outro amigo, qual era o nome dele? Eduardo!

-- Já chega, Hope. Você tem uma empresa para cuidar, por que fica pensando na minha vida íntima?

A conversa com Kantu foi a mais interessante porque ele também mencionou o novo Projeto Terra.

-- Rezarei para que você tenha sucesso, e ficarei de olho daqui no nosso planeta caso alguém tente algo.

-- Acha que os Jaguares podem agir de novo? – Adriana perguntou – Estaríamos em maior número.

-- Se você voltou à ativa, acho que os Jaguares não demorarão a se mover também.

ImigrantesWhere stories live. Discover now