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Os jornalistas passaram as duas semanas seguintes cobrindo a guerra. Entrevistaram alguns soldados e os líderes que aceitaram ser filmados (Hope adorou, e Alisha pôs ênfase em sua opinião contrária ao conflito) e por vezes chegaram a ir para a barricada para pegar imagens da batalha. Segundo eles, eram necessários para complementar o filme.

Podiam estar assustados, mas sabiam engolir o medo para cumprir seu papel.

Mas o documentário não era o único projeto deles, de vez em quando mandavam cenas para Caramuru, que mais tarde eram exibidas no jornal.

Na primeira vez que filmagens da guerra apareceram nas TVs de Caramuru, imediatamente Adriana recebeu dezenas de ligações de casa. Antônio foi o primeiro a ser atendido.

-- É verdade isso que eu vi no jornal?!

-- Pai...

-- É muito pior do que eu tinha imaginado – seus olhos holográficos estavam arregalados.

-- Pai, isto é guerra, claro que não ia ser bonito. Mas eu não vou para o fronte.

-- Não vai?

-- Não, eu fico aqui no acampamento, planejando as estratégias.

Isso era uma meia verdade. Adriana pedira que Haru a ensinasse a usar armas porque queria fazer mais do que só pensar como num jogo de xadrez, então às vezes ela subia nos telhados das cabanas e dava uma de sniper durante batalhas, atirando de longe.

-- Fico aliviado – Antônio suspirou – Tem ideia de quanto mais vai demorar essa guerra?

-- Não muito, estamos esmagando a resistência deles.

Pablo também ligou, tão preocupado quanto o sócio, e Adriana teve que repetir o discurso para tranquiliza-lo. Quando foi a vez de falar com Eduardo, a jovem sentiu medo de não conseguir mentir para ele, e que o rapaz ficasse mais preocupado que seu pai.

Mas para sua surpresa, ele estava bem calmo ao se materializar holograficamente na sua frente.

-- Aquilo tudo que passa na TV. É isso que você tem passado?

-- Eu não fico no campo de batalha com os soldados. Como sou general, eu mais planejo o que os soldados vão fazer.

-- Então não tem perigo de te acertarem com uma bala?

-- Óbvio que tem perigo, Edu, não existe segurança num ambiente assim. Mas estou mais segura que a grande maioria.

Adriana gastou a tarde inteira repetindo o discurso para outros amigos e conhecidos. Renata, sua prima, pediu:

-- Você é o orgulho da família, mas tome cuidado com minas ou balas perdidas. Não quero que volte para casa sem uma perna ou com uma cicatriz horrível na cara. Mamãe diz que vai te dar uma medalha ou título especial de guerra.

*

Poucos dias depois, os Jaguares atacaram novamente, o que não fez nenhum sentido para Adriana. Os soldados deles diminuíram cada vez mais, os suprimentos e munições também, a guerra estava praticamente vencida. Não havia motivo para continuar a resistir.

A jovem comentou isso com Haru durante uma reunião e ele respondeu:

-- Por vezes, ao se deparar com uma derrota iminente, muitos soldados não a aceitam, e persistem em continuar batalhando, mesmo não havendo chance de mudar o jogo. "Lutar até o último homem", entende?

Kantu estava presente, limpando um corte na testa do almirante Ricardo, e sugeriu:

-- Por que não oferecemos bons termos de rendição a eles? Será que não serão razoáveis?

-- Só poderíamos oferecer rendição aos líderes do movimento. Pelo que vi daqueles soldados e das gravações de Luny do acampamento deles, o líder não está lá, alguns membros de posição mais alta recebem ordens de alguém de fora – Juan explicou. Adriana acrescentou:

-- E as ordens parecem ser lutar até o último homem. O que pretendem com isso?

-- Talvez não deixar ninguém que possa vazar informação – Hope opinou.

Adriana foi até a porta da cabana e observou o campo de batalha ao longe. Os Jaguares que via ali eram meros peões, não deviam saber quase nada dos objetivos do alto escalão, mas talvez se um fosse capturado, teriam informação pelo menos.

Ela se dirigiu à barricada para comunicar isso ao comandante. Tempos depois Adriana se perguntaria várias vezes por que tinha feito aquilo quando podia ter mandado alguém dar o recado, Luny ou mesmo tê-lo feito pelo comunicador. Nunca encontrou resposta.

Chegou ao pequeno muro quando começava um tiroteio. Abaixada, se dirigiu ao homem vestido de oficial.

-- Comandante.

-- General – ele fez continência ao vê-la – O que faz aqui, senhora?

-- Precisamos de um prisioneiro.

-- Perdão, senhora?

-- Alguém do lado inimigo deve ser capturado vivo para interrogatório. Pode ser até um soldado raso.

-- Entendido, general.

Adriana reparou nos outros ali, soldados de Umikizu e Caramuru atirando por cima da barricada nos Jaguares que ainda se atreviam a chegar perto do acampamento. Os tiros eram certeiros, uma vez atingidos, os inimigos não se reerguiam.

-- Me dê uma arma – sua voz soou muito mais autoritária que o normal ao se dirigir a um homem pouco mais velho ao seu lado.

-- Sim, senhora – ele entregou uma pistola e Adriana se posicionou. Ao longe vira um soldado Jaguar se aproximando, e a julgar pelo seu passo hesitante, era mais lento que seus companheiros. Um bom alvo.

Precisou esperar um minuto até ele parar numa posição adequada. Assim que conseguiu mirar, atirou.

O rapaz, que não devia ter mais que dezenove, caiu e agarrou o joelho ferido, gritando de dor. A jovem agradeceu a Haru pelas aulas de tiro.

Adriana gritou que alguém fosse até ele e o trouxesse, mas ninguém ouviu, o comandante e o homem que lhe dera a arma não estavam mais ali, e os mais distantes estavam ocupados atirando.

Ele não duraria no fogo cruzado. Adriana pulou a barricada e correu para o homem ferido. Escutou alguém gritar às suas costas:

-- Cuidado!

Os tiros vindos da barricada pararam, para depois voltarem com menor intensidade. Adriana rapidamente chegou no homem caído e, agarrando-o pelas axilas, voltou arrastando-o.

-- Ei, me deixe! – ele gritava e se debatia, mas a general não estava disposta a larga-lo.

Vieram mais tiros, dessa vez provindos do lado inimigo. Adriana apressou o passo.

Então dor, como ela nunca sentira antes, queimando em seu ombro direito e sua cintura. As pernas subitamente adquiriram a consistência de gelatina, e Adriana caiu de costas no chão, lutando para se manter acordada em meio à agonia.

ImigrantesWhere stories live. Discover now