3) Hora de Jogar!

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3) Hora de Jogar!

~ Mil ~

As chuvas não pararam aquele dia, muito menos de noite.
Tive que ligar para minha mãe avisando que ia dormir na casa de uma amiga. Se você parar pra pensar, não foi tão mentira assim. Ena era no mínimo uma colega pra mim agora. Em fim...
Ela já estava dormindo. O quarto dela tinha uma cama de casal, e pelo que eu entendi o pai de Stan não ia dormir ali pelos próximos 200 anos. Eles eram divorciados. Ainda não sei o motivo da separação e na boa, prefiro nem saber. O Stan não parece tão preocupado com isso, ainda bem.
Mas voltando: Eu dormiria no quarto dele, olha que legal. Ele vai dormir com a mãe ou na sala.
O que conta aqui é que eu to ferrada pra caramba.
Não curto muito dizer besteiras, mas tem horas que elas precisam ser ditas e essa, com certeza, é uma delas.
  - Merda – Disse baixinho, embora quisesse gritar, já que agora estávamos só nós dois jogados no sofá. Cada um com uma coberta, assistindo uma série que eu nunca vi na vida, mas que me fez rir muito com as piadinhas previsíveis. Na verdade, a risada alta do Stan ajudou um tanto. Mas só um pouco.
  - Émili, tem certeza que não quer pipoca? Quer dizer... Você disse que estava com fome e quase sarrou de tanta alegria quando eu disse que ia fazer pipoca.
A questão era que em todas, todas as histórias e os filmes que já vi na vida, quando você come uma pipoca com alguém, as mãos esbarram, merdas acontecem, juntando toda a minha experiência literária e cinematográfica + umas paranoias da minha cabeça:
  - Não, obrigada.
  - Por que mudou de ideia tão de repente?
Não fode, Stanlin.
Ri, mas era de nervoso.
  - Porque eu tô de dieta...
Ele me olhou como se eu fosse doida.
Pronto. Agora o menino que eu gosto acha que eu sou anorexa.
Não tem como ficar melhor.
Querem ver piorar? Só observem...
Stanlin desligou a televisão, e sentou mais perto de mim, encarando-me.
Eu sabia que tinha sua total atenção agora, e por mais que eu tentasse seguir as regras doidas que minha irmã retardada criou, eu não era ela.
Eu era a gêmea nervosa.
E o fato de ele estar perto de mim, com aquele olhar penetrante, como se pudesse ler o mais íntimo dos meus pensamentos, descobrir o pior dos meus segredos... Desviei o olhar pro chão.
  - Eu tô adiando essa conversa há dias, mas acho que precisamos tê-la...
Posso acrescentar que estava quase cagando na calça.
Cúnãopassaumaagulha.
  - Q...que conversa? – Começou bem heim, palmas pra pessoa mais patética do mundo: Émili Clara.
Nessas horas eu queria muito ser minha irmã. Ela saberia o que fazer.
  - Émili, somos melhores amigos...
É, o esforço não adiantou de nada. Pro Stan eu só sou a amiga.
Eu vomitaria de frustração se não estivesse tão nervosa a ponto de nem me mexer como uma pessoa normal.
Eu nunca fui normal.
Foco Mil, foco!
  - Acho que sim né... – Não consegui disfarçar a decepção. Seria um bom momento para desistir. Mas primeiro... Vamos ouvir o que ele tem a dizer.
  - Me diz... Você... – Ele falava com cuidado, como se andasse num campo minado e pisasse com cuidado a cada passo – Mudou de repente. Como amigo eu pude notar... – Só não me notou né otário – Você está diferente. Não é que eu ache isso ruim, mas...
  - Vá direto ao ponto – Disse, cruzando os braços. Passei de nervosa para full pistola.
  - Tá gostando de alguém né? É do Júlio? Porque só isso justifica suas atitudes... Qual é... Somos amigos... Pode me falar... – Ele me encarava, a curiosidade brilhando no seu olhar.
Segurei o riso.
Passei de brava para surpresa em menos de 10 min. Okay, talvez eu seja bipolar, mas ele me deixa assim.
  - Vou confessar... – Não aguentei e sorri, desviando o olhar novamente para não rir de como o Stanlin era burro – Estou gostando de alguém sim.
  - Eu sabia! – Ele parecia pensativo e me olhou novamente – Menino ou menina?
Me responda o que você é.
  - Eu acho que é menino – Ri alto – Como você descobriu? Eu deixo tão na cara assim? – Gente, eu to rindo da cara dele tentando adivinhar quem é, mas to rindo com respeito sz.
  - Deixa... Ele já sabe né? – Eu senti frustração aqui? Deve ser porque eu gosto dele, então em tudo que ele faz ou fala eu procuro algum sentimento. Okay, eu sou trouxa.
Neguei com a cabeça.
  - Então ele é bem lerdo! – Stan disse e eu sorri de orelha a orelha, olhando-o nos olhos.
  - É... Ele é sim... – Você é tão bobo Stan. Mas isso não muda o foto de eu estar completamente apaixonada por você – O que você acha que eu devo fazer?
  - Bom, pelo tamanho desse seu sorriso você tá bem ferrada!
  - Ei! – Dei um tapa na cabeça dele – Valeu...
  - Na real, eu acho que você deveria desistir dele... Ele é lerdo, desencana! Tem gente aí dando sopa... Bem pertinho de você...
Meu sorriso vacilou.
  - Tá mesmo me mandando desistir?
  - Estou... – Ele respondeu com cuidado.
Confesso que por essa eu não esperava. Ele não sabia quem era mas...
  - Você agiria assim?
Ele olhou pro lado, confuso.
  - Porque se tem uma coisa que eu não vou fazer é desistir.
Eu não desistirei de você, Stanlin.
Sorri e nos encaramos por um tempo. Até um barulhão de trovão ressoar e quando eu vi já estava nos braços dele.
Eu praticamente me joguei pra perto dele pelo susto, mas Stan não pensou duas vezes antes de me abraçar. Me senti protegida, mesmo em meio ao susto e ao medo da chuva, do vento, dos raios...
Não posso negar. Não sinto isso com ninguém, eu nunca mentiria assim pra alguém, por isso não posso mais afastar o Tony. Preciso conversar com ele. Porque no fundo eu sei que logo, logo, eu mesma contarei a Stan o que sinto. Espero que ele descubra antes, mas não posso me sufocar por muito tempo.
A energia acabou de repente e eu estremeci, segurando um grito para não acordar Ena. Senti meus olhos lacrimejarem.
  - Mil?
  - E...eu to com m...medo... – Agarrei a blusa dele.
  - Calma, calma... – Senti ele me apertar contra o peito dele – Eu tô aqui pra você, Émili...
  - Promete que vai me proteger? – Sussurrei.
Senti ele concordando com a cabeça.
  - Sempre, Émili. Estou aqui pra você – Entre sussurros, fechei meus olhos, aproveitando ao máximo aquele momento. Por mais que eu estivesse morrendo de medo, aquele abraço era quase tudo que eu queria. Quase – E sempre estarei – Beijou demoradamente a minha testa.
E, por mais que pra ele fossemos apenas amigos, eu gostava de ser amiga dele. É melhor que não ser nada.
Afinal, a verdadeira amizade constrói o amor.

O Garoto do Ônibus Where stories live. Discover now