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~ Émili ~

É incrível como num piscar de olhos as coisas mudam.
Num momento a minha maior preocupação era se sentar ao lado de um menino antipático no ônibus.
Agora...
Agora eu estava sem chão.
Sem palavras para descrever a dor que eu sentia.
Cada lembrança, tudo que eu podia lembrar...
Cada toque, cada carinho, cada sorriso... Cada ensinamento...
Estávamos no velório.
O caixão aberto mostrava o corpo da minha avó.
Eu estava sentada numa cadeira, no fundo, as lágrimas caindo silenciosamente.
Minha mãe estava nos bancos da frente, sendo amparada por um monte de gente.
Eu simplesmente não aguento isso.
Eu quero ela aqui.
Eu quero a minha avó.
Como posso viver sem ela? Já não basta minha mãe que vive no próprio mundo, e eu não a culpo. É mais difícil pra ela do que pra mim, mas agora estou sozinha.
É isso.
Minha mãe está tão abalada, que eu tive que ligar avisando a todos, postar nas redes sociais para que viessem pra cá. Ela nem olhou pra mim depois que saímos do hospital.
Liguei pra Név, mas ela só ia chegar depois. Bem depois. Se desse pra ela vir.
Suspirei novamente.
Tony esteve ao meu lado. O tempo todo.
Queria que o Stan estivesse aqui, mas acho que eu não sou nada pra ele.
  - Émili - A voz doce da mãe do Tony se fez presente e eu ergui somente o meu olhar pra ela, sem mexer minha cabeça. Ela sorriu terna pra mim - Eu vou indo tomar café. Você quer alguma coisa, meu anjo?
  - Obrigada - Sorri pequeno - Mas eu não tô com fome.
  - Mil, são quase seis horas da manhã! Você precisa comer alguma coisa... Não come desde ontem - Tony se intrometeu.
  - Ok. Eu vou naquela padaria que você adora, com aqueles pãezinhos que você gosta - Ela disse, se aproximando e mexendo nos meus cabelos lentamente, como um carinho.
Melhor pessoa.
  - Obrigada - Só fui capaz de dizer isso.
  - Você vem comigo, Tony?
Ele se levantou ao ouvir a pergunta da mãe.
  - Eu já volto Mil - Disse, olhando pra mim.
  - Sem problemas - Claro que eu não queria que ele fosse, só que ele ficou comigo por muito tempo. E no fim das contas, sei o quanto precisava de um descanso. Conheço meu amigo - Tudo bem.
Eles sorriram e se afastaram, eu voltando a abaixar minha cabeça.
Stace e Spencer estavam aqui há alguns minutos, mas foram pra casa tomar banho.
Todos estávamos acabados, mas ninguém estava tão acabado quanto eu.
Só perdia pra minha mãe.
E então eu fechei os olhos.
  - Émili? - Minha avó perguntou e eu senti um alívio ao ouvir sua voz - O que está fazendo aí?
  - Vovó! - Chamei, me levantando e mostrando meus desenhos - Sabia que quando eu crescer eu vou ser estilista?
  - Estilista? - Ela riu, olhando cada um dos meus desenhos - Semana passada você disse que queria ser professora.
  - Crianças são chatas! Prefiro meus papéis...
  - Mas você também é criança, meu amor...
  - Eu sou moça, vovó! - Apontei pros meus pés que estavam num tamanco.
  - Pelo menos não está usando saltos como a Névilie - Ela manteve o sorriso, desviando o olhar pro corredor onde minha irmã passava vestindo saltos maiores que seus pés e conversando sozinha - Uma atriz e uma estilista. Quem diria... - Suspirou, me devolvendo os papéis.
  - Você sabe porque eu quero estilista né vovó?
  - Me diga...
  - Uma vez o papai disse que você tinha uma máquina de costura.
  - Me pergunto como seu pai sabe disso - Riu.
  - A mamãe quem contou.
  - Explicado.
  - Preste atenção! - Repreendi - Você vai gostar. Olha só: Ele me disse que você amava aquela máquina de costura. E eu te amo, então quero ser estilista pra fazer vários vestidos pra mim e pra você, combinando. Nós vamos desfilar juntas - Pensei um pouco e neguei com a cabeça - Você e a Név vão desfilar juntas.
  - É... Sua irmã gosta mais de palco - A vovó fez carinho na minha bochecha - Quero te mostrar algo - Andou até a gaveta e tirou de lá um chave pequena.
Saiu pra fora do quarto e eu a segui, me equilibrando no meu tamanco.
  - E o prêmio vai para... Névilie Clara! - Minha irmã dizia, em cima do sofá e bateu palmas para ela mesma - Ela sorriu - Obrigada pessoal, foi uma honra...
Vovó abriu um quartinho e nós duas entramos. Ela encostou a porta, abafando o agradecimento da minha irmã.
  - Sabe o que eu mais gosto na Névilie?
  - O que? - Perguntei com uma pontada de ciúmes.
  - A imaginação dela. Isso pode levá-la pra onde quiser.
  - Ah, que legal - Falei com desdém.
  - E sabe o que eu mais gosto em você, meu amor?
  - Euzinha inteira?
Ela riu e eu sorri, feliz por deixá-la feliz.
  - Também. Mas eu amo o fato de você ser bem decidida apenas com 8 anos de idade. Isso me lembra seu avô - Ela se abaixou para pegar uma caixa e eu corri para ajudá-la - Eu amo o seu jeitinho de sempre querer ajudar as pessoas, independente de como. Você sempre pensa nelas primeiro, Émili.
Cocei a cabeça, sem entender muito bem o que ela dizia.
  - Mas vovó... Isso não me faz boba? As pessoas vão querer passar por cima de mim...
  - Isso te faz especial, meu anjinho. Diferente no mundo dos iguais. Pra quê passar por cima de alguém, quando podemos passar todos juntos, de mãos dadas?
Sorri e ela finalmente tirou o que tinha na caixa, me mostrando um aparelho diferente.
  - Isso é um grampeador gigante?
  - Não! - Riu alto - É uma máquina de costura.
Olhei pra ela, confusa.
  - Se você quer mesmo ser uma estilista...
Fiquei boquiaberta, me aproximando da máquina.
  - Isso é muito legal, vovó! Você sabe mexer?
  - Sei - Me encarou com um sorriso terno - E em breve, você também saberá.
Sorrimos uma para a outra, até a Névilie arrombar a porta e gritar:
  - Gente, vocês não vão acreditar! - Ela dizia com um sorriso enorme - Eu ganhei o prêmio de atriz do ano!
  - Émili - Senti um toque no meu ombro, o que me fez abrir os olhos.
  - Oi? - Era uma colega da minha mãe.
  - Tem alguém aqui que quer te ver.
Respirei fundo, me levantando, ainda abobada pela lembrança. Segui Regina, uma colega de trabalho da minha mãe e encontrei um rapaz de costas, eu o conhecia muito bem.
  - Stan - Eu disse, a voz suave e surpresa.
  - Émili - Ele disse, sem hesitar de aproximou e me abraçou bem forte.
Não precisava dizer nada.
Apenas aquilo era o suficiente.
Descanse em paz, vovó.
 

O Garoto do Ônibus Where stories live. Discover now