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~ Mil ~

  - Que sorte você ter voltado lá - Stroy me disse enquanto dirigia até a delegacia. Paramos num sinal vermelho e eu xinguei-o mentalmente.
  - Eu tinha esquecido minha carteira - Falei num tom baixo e suspirei aliviado ao que o sinal abriu - Vocês faziam ideia de que uma coisa dessas acontecia?
  - Sinceramente: Eu não esperava por nada disso - Stroy respondeu.
  - Bem de baixo dos nossos olhos... - Stay disse, podia sentir amargura em sua voz - E não fizemos nada... Nem sequer percebemos...
  - A culpa não é nossa - Spencer disse.
  - É nossa sim - Stay continuou - Fomos tão egoístas, que nem pagamos pra pensar no que a Émili poderia estar sofrendo.
  - Mas ela também não nos disse - Stroy disse.
  - Você diria uma coisa dessas a alguém? - Stace rebateu e todos ficamos quietos, soltando apenas suspiros, murmúrios.
Eu não dizia nada, mas meus pensamentos diziam tudo.
E então, finalmente, chegamos.
Stroy estacionou e praticamente corremos pra fora do carro.
Adentrei a delegacia já encontrando os pais de Tony.
Andei até eles.
  - Oi - Disse, meio sem saber como iniciar um diálogo no clima pesado em que estávamos.
  - Stanlin... Sua mãe disse que já chega.
  - É... Acho que ela estava dormindo - Concordei, mesmo sendo desnecessário.
  - É... - Ela também concordou, provando que todos estávamos abalados com os últimos acontecimentos.
  - Oi, oi - Os outros os cumprimentaram.
  - Cadê a Mil? - Stace perguntou o que eu estava me segurando tanto para dizer.
  - Ela e a irmã estão conversando com o policial, contando tudo que aconteceu... - O pai de Tony explicou.
  - E o Tony? - Questionei.
  - Ele foi buscar algo para elas comerem.
  - Como elas estão? - Stay quis saber.
  - Estamos todos muito abalados, a Névilie aparenta estar calma, mas eu sei que não está nem um pouco. E a Émili está bem nervosa, coitadinha.
  - E aí - Senti um aperto no ombro e me virei pra trás, encontrando minha mãe - Como estão as coisas?
Nos encaramos por um tempo e eu sei que ela entendeu toda a minha preocupação e desespero.
Minha mãe começou um diálogo com os outros adultos e eu me sentei numa cadeira que estava vaga, me inclinando e olhando pro chão, pensativo.
Para a minha surpresa, todos respeitaram meu momento silencioso, mantendo uma pequena distância e não conversando comigo.
Fechei os olhos e estremeci.
A cena da mãe da Émili dizendo coisas horríveis a ela e levantando a mão para batê-la não saía da minha cabeça, com um flashback que repetia, repetia e repetia.
  - Ai, minha querida! - Ouvi a voz suave da mãe do Tony e levantei o olhar.
Encontrei ele conversando calmamente com Névilie, ao redor deles Tôfyla e Pietro (os pais de Spen e Stay) dando apoio, o resto em cima da Émili.
Me levantei e andei até eles.
Ela era engolida pelo abraço maternal da Sra. Cravo.
Estava prestes a tocar no ombro de Mil, quando ouvi:
  - Stanlin Gabriel - Me virei, encontrando um policial.
Todos olharam pra mim, inclusive Émili e pude ver seus olhos vermelhos e inchados, assim como sua boca cortada e seu nariz que ainda sangrava.
Queria dizer a ela algo, queria estar com ela.
Mas nada saía.
  - Stanlin Gabriel.
Stroy olhava pra mim, pelo seu olhar conseguia entender que ele chamava minha atenção.
Eu sabia que o policial chamava o meu nome, mas parecia que não era comigo.
Minha atenção era toda dela.
Somente de Émili Clara.
  - Stanlin Gabriel? - O policial insistiu, dessa voz soando mais como uma pergunta.
Encarei a Émili por mais algum tempo.
Vê-la assim doía mais que qualquer coisa já tinha me acontecido.
Ninguém dizia nada.
  - Sou eu - Respondi após um bom tempo.
  - Me acompanhe, por favor - Ainda que fosse educado, ainda soava como uma ordem.
E assim fiz, seguindo-a até uma sala, onde me sentei em frente à outro policial. O que deu as ordens na casa da Mil.
  - Boa noite.
  - Boa noite - Respondi baixinho - Por que estou aqui?
  - Apressadinho - O policial disse com um pequeno sorriso e ajeitou os papéis em sua frente - Bom, pelo que eu escutei da versão das gêmeas que são filhas da mulher que cometeu o ataque, foi você quem ligou e denunciou. Então queria escutar a sua versão da história. Quero saber o que você viu.
Suspirei.
  - Pode começar.
Pensei no que poderia dizer, mas eu não tinha que pensar nisso.
Só havia uma coisa a dizer, um caminho a seguir: O da verdade.
  - Bom... Eu sou amigo da Émili há meses. Acho que desde o começo do ano e sempre percebi a falta da presença da mãe dela. Desde o começo, a Sra. Clara sumia por dias, pelo que a Mil me contou ela já chegou a sumir por meses, sem dar qualquer satisfação. A irmã gêmea dela, Névilie, estava num intercâmbio, acho que no Canadá, não me lembro e há alguns meses a avó delas chegou a falecer. Então a Név voltou e ficou por aqui. Nesse tempo em que a mãe dela sumia, Mil ficava com a avó, mas agora sem ela acho que a mãe dela perdeu um pouco o controle com a bebida.
  - Um pouco? - O policial riu, sarcástico.
Ignorei, apenas continuando:
  - Começamos a namorar há algumas semanas e desde então faço companhia a ela quando está sozinha. E hoje estávamos assistindo novela, quando a mãe dela chegou eu fui embora, sem me despedir da mesma então não vi como ela chegou. Mas no caminho até o ponto de ônibus eu percebi que tinha esquecido minha carteira na casa dele, então não tinha como eu pagar o busão. Aí eu voltei pra casa dela e peguei elas brigando; a mãe dela estava muito alterada, gritava coisas horríveis pra ela e ameaçou bater nela. Foi aí que eu entrei no meio e impedi que a mãe a batesse, chamei vocês e deu todo o barraco que o senhor já sabe - Terminei de falar e mexi minhas mãos, uma apertando a outra por baixo da mesa, uma demonstração do puro desespero que eu sentia.
  - Certo... - O policial concordou, anotando algumas coisas - Você novata algum comportamento em alguém da família?
  - Não - Parei pra pensar um pouco - A avó dela sempre foi muito gente boa, todos ficamos muito abalados quando ela se foi. Névilie e Émili nunca apresentaram sinal se agressão, sempre que conversei com a Sra. Clara ela parecia estar sóbria, ou pelo menos consciente de suas atitudes. Eu realmente estou bastante surpreso e chocado com o que aconteceu.
  - Todos ficam - Ele concordou com a cabeça - Uma das gêmeas, a sua namorada, chegou a comentar algo sobre isso ou alguma coisa relacionada com você ou seus amigos?
  - Não, comigo não.
  - Ok... Acho que isso. Pode voltar pra lá rapaz. Obrigada.
Cumprimentei-o com a cabeça e me retirei o mais rápido possível daquela sala.
Assim que cheguei a sala de espera, uma Émili com o rosto menos inchado e o nariz apenas com rastros de sangue seco se aproximou de mim.
  - O que eles te perguntaram?
Franzi o cenho com seu tom seco.
  - Perguntaram sobre vocês e sua mãe.
  - E o que você disse pra eles? - Encarei-a no fundo de seus olhos, eu sabia o que ela queria que eu respondesse.
Eu sabia o que ela queria.
Podia ver o desespero, a preocupação queimando seu olhar.
Sabia que provavelmente ela sentia perdida e sem chão.
E também sabia que ela, nesse momento, me odiava.
E isso doía.
  - Você sabe o que eu disse.
  - Eu queria tanto te culpar por isso. Queria gritar com você, queria bater em você. Mas tudo que eu consigo sentir é decepção.
  - Émili, eu...
  - Decepção por ter uma mãe bêbada, um pai e avó morto, uma irmã distante e um namorado egoísta.
  - Egoísta? - Perguntei sem acreditar e abri a boca para despejar todos os meus argumentos do porque fiz o que fiz, mas ela me interrompeu.
  - Olha, eu não quero conversar com você agora. Quero ficar sozinha - Disse e saiu, me deixando lá plantado com a boca aberta e um sentimento ruim de impotência.

O Garoto do Ônibus Where stories live. Discover now