33. Autocontrole

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Vitória

Você não pode querer controlar as ações do outro mesmo que elas estejam completamente equivocadas.

                                   ***

- Tudo bem.
- Tudo bem mesmo?
- Claro que sim.
- Não quero que isso gere um clima estranho ou que tu imagine coisa onde não tem.
- Não estou fazendo isso, até porque não posso nem mesmo mensurar o quanto está sendo difícil pra ti toda essa situação. Não se preocupa com o depois, tenta resolver o agora.
- Eu não canso de me surpreender com você.
- Espero que seja pelo lado bom da coisa.
- Sempre é. Te ligo amanhã, beijo.
- Beijo.

                                 ***

Demorei alguns anos para assimilar o meu certo e errado, ao certo e errado do outro. Muitas vezes eu questionei, julguei e até mesmo briguei querendo impor aquilo que acho certo em determinada situação sem muito me preocupar com o sentir do outro, mas um belo dia enquanto bebia uma ou outra com alguns amigos em um bar, o Lucas, amigo da vida e de sempre, falou uma frase que me fez pensar muito as minha atitudes, ele disse:
"A sua visão do que é verdade, deixa de ser uma verdade absoluta quando você ultrapassa os limites entre a tua vida e a vida do outro. Cada um sabe da sua dor, cada um vive a sua maneira!" Normalmente eu não levaria tão a sério as nossas conversas aleatórias, principalmente as que são feitas nos bares, mas essa conversa em especial me fez refletir sobre o que considero certo ou não.

Depois que vi o corpo franzino de Ana sumir por entre os grandes portões brancos daquele prédio que de longe é um dos mais bonitos da região, decidi que ocuparia a minha mente o máximo de tempo possível para não pensar nas ações e decisões tomadas por ela, porque se for parar pra pensar, eu vou virar a noite com minhas teorias e aprendi com Lucas na mesa daquele bar que decifrar e explicar ultrapassa os limites do saber, e que cada um sabe o que sente e o que passa dentro de si.. Eu preciso confiar na decisão tomada por ela e esperar que tudo se resolva da melhor forma possível para todo os lados, e foi exatamente isso que tentei fazer ao voltar pra casa. Assim que cheguei, acendi as luzes, tirei os sapatos, joguei as chaves sobre o sofá, me despi de tudo o que me incomodava fisicamente, fui até a cozinha e parei na frente do armário... Chá, ou tequila?

Lembro que bebi tequila com Ana a primeira vez que ela esteve aqui em casa, e desse dia pra cá a tequila tem um gosto especial pra mim. Fico feliz ao lembrar de como tudo aconteceu entre a gente e de como vem sendo construído, gosto de apreciar a sensação forte do álcool queimando na boca, enquanto bebo cada vez mais rápido e assim posso jurar ouvir sua risada ecoando no apartamento, e apreciou ainda mais quando fazemos isso juntas, e seu gosto doce se mistura ao meu em beijos que fazem tudo a nossa volta perder o sentido. Mas também, me lembro de quando bebi chá com ela, na verdade lembro de quando comecei a ensiná-la a apreciar um belo chá, porque ás vezes Ana tem um paladar muito infantil, mas quando falo sobre isso, ela logo afirma que 'a vida adulta é pesada demais pra ela não comer besteiras' e sendo assim, eu logo desisto de entrar em uma discussão sobre o que comer ou não. 

Chá! Gosto de chá! É formal e relaxante, com certeza vai me ajudar nesse momento, pois pelo menos relaxada eu penso menos em tudo o que está acontecendo e principalmente, penso menos em Ana. Não que eu não goste de pensar nela, muito pelo contrário, mas nesse momento tudo o que eu quero é não ouvir o meu pensar, até porque acabei de me dar conta do quanto Ana penetrou na minha vida.. Ela está praticamente em tudo a minha volta e continua se espalhando, até mesmo em uma simples escolha entre o que beber ou não, ela se faz presente sem nem mesmo estar.

Pensar em Ana se tornou tão involuntário quanto qualquer ato rotineiro, ela já faz parte da minha vida, assim como eu espero fazer da dela.

Cinco horas se passaram desde de que cheguei em casa, e esses trezentos minutos nunca foram tão lentos quanto hoje. Eu tentei não pensar nas possíveis situações que estão acontecendo naquele apartamento nesse exato momento, mas óbvio que falhei vergonhosamente. E se algo der errado? Será que ela tem um plano "b" para possíveis eventualidades? A sua ex sogra tão amorosa pode reagir de uma forma completamente diferente daquilo que ela espera, e se isso acontecer, será que ela vai saber lidar? E o Maicon? Se por um acaso Ana perceber que aquele lar nunca deixou de ser seu, e que aquela família não podia ser escolha mais certa pra tua vida? E se ela decidir voltar para o seu marido? Como eu vou lidar com isso?

São tantos 'E se' que rondam a minha cabeça que me perco em tanto pensar e acabo nem percebendo o sono já me dominando. Acordo com o sol batendo no rosto exatamente onde deitei noite passada, para olhar o céu nebuloso de São Paulo com a ideia de tentar organizar os pensamentos, o que de nada adiantou porque acordei ainda mais confusa e ansiosa por notícias. Depois da ligação recebida ontem a noite e da rápida explicação sobre tudo o que aconteceu, a única informação que tenho é a de que Ana resolveu passar a noite no apartamento por precaução e cuidado com a saúde de Elisa. Imagino o quanto ela se sinta culpada por toda essa situação, e o quanto esteja sendo difícil enfrentar tudo isso, e foi muito em função do que vem acontecendo que tentei lhe passar toda serenidade possível, mesmo estando em meio ao meu próprio furação.  

São pontualmente 11:00 da manhã e não me lembro de ter dormido tanto assim, mas não quero parar e me culpar por isso, até porque meu corpo precisa de um descanso. Levanto da minha confortável rede na varanda de casa, pego algumas coisas que ficaram espalhadas pelo chão e vou direto para o quarto, preciso de um banho gelado, mas antes, do uma olhada rápida no celular e, nenhuma notícia de Ana.. Não sei se isso é bom ou preocupante.  

Penso em mandar uma mensagem e até digito.

Mensagem: 

Ana 🍀☄
Cheguei a conclusão de que tua presença/lembrança está grudada em mim, o que é muito bom. 

Apago logo em seguida e opto pelo banho gelado antes de qualquer coisa.

No chuveiro ouço o toque do meu celular disparar diversas vezes e então acelero para terminar logo, assim que o alcanço vejo algumas imagens recebidas de um número que até então é desconhecido, e com as imagens devidamente baixadas, nem preciso abri-las  para entender do que se trata.  Ana, Maicon e seus pais sentados ao redor  de um mesa muito bem arrumada, com toalhas brancas, pratos e talheres devidamente organizados e um belo jarro com flores bem ao centro. Logo atrás deles, janelas de vidro exibem uma avenida movimentada, o que me fez associar o lugar a um desses restaurantes chiques espalhados pela cidade. 

Chegaram exatamente seis fotos e em todas elas Maicon e Ana estavam um ao lado do outro, analiso todas e em uma específica, ele está com a mão apoiada em seu braço o que faz nitidamente eles ficarem ainda mais próximos. Logo abaixo das fotos uma nova mensagem apareceu 

Mensagem: 

Observe uma família feliz.

Não sei explicar exatamente o que estou sentindo ao olhar essas fotos, mas de um coisa eu não posso fugir, Ana realmente parece feliz. Seu sorriso irradia, ela esta com uma aparência ótima, não parece nem um pouco preocupada ou desconfortável com a situação, seus olhos escuros tem um brilho todo especial e ali entre eles, ela parece está em paz.

De repente um turbilhão de pensamentos - aqueles, os quais resolvi fugir ao escolher o chá - invadiram a minha mente e um embrulho no estômago e uma dorzinha no peito me fizeram respirar fundo. O que pensar sobre todas essas cenas representadas em imagens? Meus pensamentos me traíram e um enigma que já havia passado na minha cabeça veio a tona.
O nosso universo particular dita as cartas dentro de tudo que a gente vive e sente, em várias partes do sentir as coisas são divididas e as teorias para cada coisa estão ali vagando e parece que esperando o momento exato de jogar o pensar. Esse momento chegou aqui e eu me vi mergulhada nesse aperto, numa angústia engatada e por mais que eu tenha vivido o tempo necessário mantendo um certo equilíbrio, meu autocontrole desabou no instante que baixei essas fotos, e se realmente Ana for mais feliz ao lado deles? Não posso me sufocar nem mais um segundo com todas essas teorias e suposições. 

Mensagem: 

Ana 🍀☄
Acabei de receber fotos de uma aparente família feliz. Me diz o que de fato tu decidiu pra tua vida Ana, porque lidar com as incertezas e teorias realmente não dá. 









'' O ciúme é aquela dor que dá quando percebemos que a pessoa amada pode ser feliz sem a gente. ''

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