XIV: O que o Passado Guardou

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Felipe abriu os olhos. Assim que o fez, a surpresa tomou de seu rosto:

— Legal, não é?

O rapaz se virou, e lá estava Eda. Não apenas uma, mas duas. Uma delas estava sentada ao chão e com os olhos fechados, a outra se encontrava à sua frente:

— O que eu estou fazendo ali, se estou aqui? — Felipe olhava para uma versão sua, existente há alguns metros à sua frente, ainda de olhos fechados e de mãos dadas com Aron e Emma.

— Você nunca saiu do corpo?

— Não.

— Estranho, um necromante que nunca saiu do corpo.

— Eu não gosto dessas coisas, eu quero voltar agora!

— Ah, você é um daqueles. Está tudo bem, acho que não deve ser inteiramente sua culpa. Minha mãe morria de pavor ao me ver conversando sozinha. O que seus pais faziam?

— Eles... eles...

— Não foram eles, não é? O que aconteceu com você?

— Eu não quero falar sobre isso. Já disse que eu quero voltar.

— Calma, só quero te mostrar uma coisa.

Assim, um portal apareceu no meio do ar. Eda o atravessou primeiro, do outro lado, ficou olhando para Felipe, esperando-o. O rapaz olhou para o portal, depois para a outra versão de si, na sala. Respirou fundo e então seguiu Eda.

Os dois agora se encontravam em um grande descampado. Ali, uma chuva torrencial era presente, porém, eles não se molhavam. As gotas ao menos lhes tocavam a pele. Felipe estendeu a mão para coletar a água, intrigado com o que acontecia:

— Não estamos aqui, quero dizer, realmente aqui. Então, a água não nos atinge.

— Onde é aqui?

— Apenas observe.

De repente, Felipe se virou. Duas pessoas vinham a seu encontro. Uma, sentada em uma cadeira de rodas, enquanto a outra o empurrava com dificuldade. Em pouco tempo, as duas pessoas chegaram perto dele e de Eda, mas, sem terem os visto, continuaram seu caminho. Porém, antes de irem, Felipe viu um pouco da fisionomia do rapaz sentado na cadeira.

O jovem estava totalmente paralisado. Apenas uma manta fina o protegia da chuva. Ele parecia tentar falar algo, mas sua boca mal se mexia. O rosto era quase cadavérico, de tão magro. Porém, havia uma coisa que se destacava. Seus olhos extremamente azuis, que pareciam brilhar por conta própria.

A outra pessoa era indistinguível, por causa do roupão que usava, parecido com o que Eda possuía.

Felipe e Eda os seguiram. A moça, tinha mais curiosidade em Felipe, do que na cena que assistiam.

Quando andaram por quase meia hora, a pessoa que conduzia a cadeira parou de imediato. Ela olhou ao redor e avistou um grande amontoado de enormes pedras, perto de uma pequena colina. Assim, ela conduziu a cadeira por alguns metros, parou novamente e foi até o rapaz. Ela falou alguma coisa em seu ouvido, o que fez com que as lágrimas do jovem fossem ainda mais dolorosas e constantes. Então, ela lhe deu um beijo na bochecha e foi embora, voltando para o caminho que fizeram.

Sozinho, o rapaz gemia o mais alto que conseguia, tentando avisar alguém. Talvez uma súplica para a pessoa voltar até ele. Uma súplica que mal saia de sua boca. Foi assim, que Felipe viu que ele segurava um pequeno anjo de madeira. O rapaz se agarrava à figura tão fortemente, como se ela fosse sua única companheira.

— A gente tem que ajudar ele!

Felipe foi até o rapaz, tentou colocar a mão na cadeira, mas ela passou direto:

— Ei, está tudo bem! Eu vou chamar ajuda! — Ele encarava os olhos azuis do jovem, mas, esses não o encaravam de volta.

— Felipe, não podemos ajuda-lo. Ele não te vê.

— Mas ele está sofrendo. Quem abandonaria ele aqui? No meio da chuva?

— Eu já te disse, não estamos realmente aqui.

— Mas, a gente vai deixá-lo sofrer?

— Olha — Eda apontou para as pedras, de onde algumas pessoas, vestidas como ela, tinham saído.

— Quem o abandonou aqui? — disse um homem por detrás da máscara.

— Ele parece uma reanimação — dessa vez era uma mulher de voz trêmula. — O que devemos fazer? Terminamos com seu sofrimento, aqui e agora, ou tentamos concertá-lo?

— Eu não sei ainda. Primeiro, devemos tirá-lo da chuva. Pelo menos isso. Depois vemos o que devemos fazer. Vem, me ajuda!

Assim, as duas pessoas mascaradas levaram o rapaz até a abertura nas pedras.

— Caio veio até nós de forma tão misteriosa como quando partiu. Não sabemos o que o levou a se tornar o Anjo, nem ao menos o porquê de tanta raiva — a fala de Eda, tirou a atenção de Felipe daquela cena. — As vezes me pergunto se o mestre fez certo em acolhe-lo.

— Ele, então, é o tal do Anjo — Eda apenas balançou a cabeça em concordância. — Quem era a pessoa que o abandonou?

— Isso é uma coisa que nunca ficamos sabendo. Nem mesmo os mortos sabem. A pessoa parece não existir. Mas, não importa mais. Agora, devemos voltar e contar o que vimos.

Assim, mais um portal apareceu e Felipe e Eda passaram por ele.

Os Guardiões: Parte I - Correntes de FogoWhere stories live. Discover now