Géarchéime

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Olhando para trás eu vejo bem, que minha vida pode ser retratada como uma tragédia atrás da outra. Como uma peça armada da qual nunca tive controle algum.

E ainda assim...não era como se tudo fosse ruim o tempo todo: Eu tive muitos momentos felizes, correndo pela sala com o tio Naa e Karin, andando nos ombros do meu daídi e me sentindo o dono do mundo. Eu lembro do calor no colo da minha mam enquanto ela cantava música dos anos 50, de ver meus pais dançando ao som do rádio na cozinha quando pensavam que ninguém estava olhando.

Eu lembro dos meus avós brincando comigo atrás da cabana, se bicando, mas com os olhos cheios de amor um para o outro.

Eu lembro das histórias perto da lareira, dos jogos de hockey com meu pai, e dos agentes dele vindo para minha festa de aniversário e brincando comigo a tarde inteira. De caminhar pelos corredores da agência, visitando todo mundo com um olhar de inocência sobre o mundo que queria tanto ainda ter.

Tudo era possível naquela época. Eu queria ser médico como a mam e salvar pessoas, morar em uma cabana nas montanhas cheias de cachorros e fazer trilha aos fins de semana com alguém que eu amasse tanto quando mam e daidí se amavam.

Eu tinha certeza de que nenhum mal podia nos atingir, ninguém era mais poderoso que daidí, e as pessoas que eu amava viveriam para sempre.

Quando tudo ruiu em um galpão abandonado eu me dei conta que o mal existia e ele estava ali, e eu não podia fazer nada.

Quando eu vi daídi chorar ao me deixar com meu avô, eu vi que ele não era o mais poderoso do mundo.

Quando tudo quebrou numa cabana ensanguentada, eu me dei conta que as pessoas que eu amava podiam me deixar, e essa era a pior dor que podia existir.

Quando Gaara sumiu naquele corredor para nunca mais voltar, eu percebi que você poderia sim sentir aquela dor mais de uma vez, e ainda assim continuar respirando.

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O SOM ABAFADO DAS PANCADAS ERA AGOURENTO. Tentou manter os olhos fechados como o avô mandara, mas não conseguia. Sua voz estava rouca de gritar, as mãos machucadas pelas amarras que tentava se soltar a todo custo. Um pé estava nas suas costas, o mantendo no lugar. Não conseguia respirar, pela posição, e pela dor física e emocional. Era dor demais.

Ele não tivera chance alguma. Não pudera fazer nada para ajudar. Tudo o que podia fazer era ver aqueles homens espancando seu avô daquela maneira, o obrigando a olhar tudo. Não podia ser verdade. Só podia ser um pesadelo. Ninguém derrotava seu avô, nem seu pai conseguia. E agora aqueles homens que nem sabia de onde haviam saído estavam o machucando.

Seu avô tossiu sangue.

Tinha que ser mentira.

Havia parado de gritar, e tudo o que conseguia fazer era olhar, vidrado. Eles estavam falando alguma coisa, gritando, perguntando. Seu avô estava falando alguma coisa em meio aos gemidos.

Uma mão foi para seu cabelo de forma dolorosa, puxando-o para cima, de pé. Seguraram seu queixo, queriam que ele visse. Eles também haviam levantado seu avô. Seus olhos se prenderam nos dele, no seu rosto machucado, inchado. Seu avô tentou sorrir, para lhe assegurar algo, mas havia tanto sangue que ele sabia que era mentira.

O homem atrás de dele falou algo em seu ouvido. Uma arma foi levantada. Seu avô moveu os lábios, lhe falando algo, e sentiu mais lágrimas nos olhos ao entender o que ele dizia. Sua boca se abriu para gritar, reencontrando sua voz. E foi quando ouviu o estampido, a bala atravessando a nuca do avô. Ele caiu de joelhos, antes de desabar, o transformando em uma massa de sangue no chão.

SeachtWhere stories live. Discover now