ANTOLOGIA 1

14° Dia

Em tempos ( autor@dioghofernandes)

Nos tempos de criança, bonecas de pano ou de plástico era coisa de rico. Aos pobres se faziam bonecas do sabuco de milho, roupas de palha e cabelo da espiga. Assim Maria havia de ter dúzias delas. Mas não era a mesma das propagandas.

Cresceu, casou-se e deixou a menina criança no passado, ela ainda jovem aos (15) quinze foi trocada em uma casa. Seu pai já prometera ao noivo sem o seu consentimento. Moço rico e pouco educado perdeu todo seu dinheiro na farra e nas bebidas. Morreu cedo, perdido na rua sem fim, ao meio escuro junto do assaltante.

Viúva aos (19) dezenove anos, ela reviveu toda pobreza perdida em outra cidade que não a conhecia. Em vida seu marido a proibia de sair. O primeiro dia foi no velório de seu marido, debaixo de um véu negro sobre um sol escaldante.

Dona Maria mesmo casando cedo, sonhava em ser mãe. Não foi mãe de uma boneca em tempos de criança, não seria mãe em tempos de adulta. Seu destino era certo, Estéril. Estéril na infância, agora como mãe.

Sua casa, seu ultimo bem sobre a misteriosa cidade, foi vendida para pagar o enterro. Ela chorava, chorava muito, não pelos bens materiais, mas pela solidão empreguiçada em seu eu. Ao amanhecer, ainda caminhava pelas ruas com a roupa do corpo e uma sacola com poucas lembranças que guardava da infância escondida do marido. Guardava soterrado ao fundo da cama de chão batido.

Ao longe se avistava sua chegada ao lixão. O fim da cidade. Realidade compartilhada pela outra grande multidão. Ali vez amizade rápido. Pessoas a acolhiam de bom grado. Sabiam que todos ao chegarem ao lixão, se tornavam parte dele, parte de todos. Seu primeiro material a ser reciclado foi uma boneca sorridente da época da infância. Tão semelhante ela era das memorias guardadas, que um dia tanto desejava.

Dona Maria já esta velha ainda junto ao lixão. Reciclando bonecas perdidas como ela na solidão. Aquecia seus filhos, netos, sobrinhos, bisnetos, todos aqueles que estavam e chegavam próximo do seu coração.