14- Primogênita

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   Já em meu quarto, Cristeli preparou um banho para mim. Ela é nova no palácio e ainda está se acostumando aos afazeres.
   Como as princesas não tem criadas fixas e eu nunca fiz questão de uma, as poucas que tenho estão sempre mudando. Mas como o casamento está tão próximo, minha coroação também está.
   Uma rainha precisa de no mínimo duas ajudantes, e todas as disponíveis estão se esforçando ao máximo para me agradar.

   - Seu banho está pronto vossa alteza. - disse ela saindo do banheiro.
  
   - Obrigada. E por favor, é só Nicolly.

   - Certo. Irei lembrar.

   Com uma breve reverência, fez mensurar de me acompanhar até o banheiro, mas eu a censurei com um aceno dispensando sua ajuda para me despir.
   Até agora (e tenho certeza que pelo resto do tempo que passaria com Cristeli) ela havia se mostrado muito prestativa, mas não sou o tipo de pessoa que deixa as outras verem nua.
   Enquanto aproveitava o banho com pétalas de lavanda (um pouco desnecessárias na minha opinião, mas admiro a dedicação), me permiti navegar por entre pensamentos.
   Quem diria que meu noivo, que por muito tempo adornava os cantos dos meus olhos (na adolescência, é claro), hoje em dia se mostra um rapaz completa e impressionantemente sem juízo, que estripa garotas inocentes por muito menos que pelas próprias vontades.
   Se alguém me dissesse isso algum tempo atrás, eu riria descaradamente na cara da pessoa, mas hoje, a ideia me dá calafrios.
   Sinto um aperto forte no coração quando lembro que a única chance de me casar seria usada com alguém assim.
   Mas sinto um aperto maior ainda quando me lembro de nosso episódio na frente do palácio na tarde de ontem. A ternura de seus dedos entrelaçados aos meus e a pequena centelha que insistia em dançar na boca de meu estômago.
    Outro problema, é que sinto o dever de me casar com ele. Meus pais estão certos, torná-lo meu rei seria seguro para nosso povo.
   Então minha mente clareou.
   Já que eu sou a primogênita...
   Bem, enfim, sou.
   E Tommy também, isso significa que nossos pais estariam bolando um plano mais elaborado do que apenas unir forças.
   Me Sinto uma tola por não ter percebido isso antes!
   Saí apressadamente do banho me enrolando em meu roupão sem me importar com formalidades e marchei diretamente em direção ao escritório de meu pai.

***

   - Quando estavam pensando em me contar? - perguntei escancarando a porta do escritório.
  
   - Contar oque? - perguntou minha mãe (que lia jornal em uma poltrona) em um tom teatralmente inocente.

   - Vocês sabem muito bem ao que me refiro.

   - Eu pensava que com todos os preparativos - um tanto óbvios - você perceberia sem dificuldade que iria se casar. Isso sem contar que discutimos isso na...
  
   - Não tente me enrolar. Estou falando sobre a tremenda responsabilidade que estão colocando sobre meus ombros ao unirem dois primogênitos. - minha mãe arqueou sua sobrancelha perante o comentário.

   - Não seja tão dramática. - ela disse fazendo um aceno desleixado com a mão. - Este "peso" de que você tanto reclama estaria sobre os ombros de Nattalie se não fosse por...

   - Andréa! - meu pai censurou minhas mãe, mas eu já sabia oque ela diria. E não adiantava qualquer censura, eu estava quase a beira de lágrimas.

   - Não me culpe pela morte dela, não culpe uma criança de oito anos, sendo que foi muito mais sua do que minha. Mamãe. - cuspi as palavras me mantendo forte tentando não derramar uma lágrima sequer.

   - Nicolly! - meu pai se levantou bruscamente alternando seu o olhar entre mim e minha mãe. - Não irei acertar este tipo de comportamento de nenhuma de vocês. Até parece que são duas estranhas!- ele fez uma pausa antes de continuar - Aquele evento tenebroso não foi culpa de nenhuma das duas e ponto final.

   Não falei nada, mas continuei encarando minha mãe com um olhar fulminante que ela retribui.

   - Agora, - meu pai fez uma pausa tentando se acalmar. - Podemos discutir sobre a junção dos primogênitos. Sim Nicolly nós estamos colocando uma tremenda responsabilidade sobre seus ombros, mas tenho certeza que não pensou por nenhum momento o peso que foi posto sobre os meus ombros e de sua mãe com nosso casamento, com o grande ataque e com a perda da pessoa mais preciosa não só para nós, e sim para todo o reino.

   - Além do mais, você nunca imaginaria a dor de perder um filho. - complementou minha mãe fazendo meu sangue ferver.

   - Ela foi mais preciosa para mim do que para vocês dois juntos, então não tentem comparar suas dores com a minha. Se vocês tivessem sido metade dos pais que se julgam ser, saberiam disso, ou ao menos não tentariam menosprezar minha dor, e sim me confortariam . - minha boca parecia espumar, como eles se atrevem a querer se julgar superiores em um momento como esse? - Mas nãao! Nicolly é apenas uma criancinha tola, então vamos deixá-la crescer imaginando que boa parte da morte da irmã foi sua culpa, e ainda melhor, vamos nos isolar. Quem sabe se não nos apegarmos a ela, o que ocorreu com a irmã poderia ser menos doloroso.

   - Além do mais, - continuei - Vocês não aguentariam nem mesmo olhar em meu rosto sendo que, esta DROGA de rosto os lembra o dela. Mas tudo bem, porque a dor de vocês é maior do que minha não é mesmo? - meu lábio inferior tremia e meus músculos pareciam gelatina, mas precisava me manter firme naquele momento.

   - Nicolly, você está interpretando mal nossas atitudes...

   - Não senhor, estou entendendo muito bem, mas não se preocupem, sei que vocês não são gente o suficiente para admitir seus erros, então irei governar o reino com muito mais dignidade que vocês, mas isso - respirei fundo antes de prosseguir - Vai ser por Natty, e não por vocês.

   Dei meia volta e comecei a andar em direção ao meu quarto.

   - Nicolly Torston. Não se atreva a dar as costas aos seus pais! - Andréa falou com a voz rouca.

   - Que pais? - perguntei por cima do ombro parando por apenas um instante antes de seguir meu percurso novamente - Só vejo um rei e uma rainha. 

   Adentrei meu quarto como um furacão jogando na parede a primeira coisa que vi, e que por algum acaso era um vaso de flores. Ele se espatifou no chão em uma chuva de estilhaços. Meu peito subia e descia em um ritmo acelerado por conta da raiva.

   Ouvi um suspiro espantado e só então me dei conta de que Cristeli ainda estava no quarto.

   Minha expressão se suavizou um pouco e minha respiração se acalmou.

   -  Me desculpe, não quis assustá-la. 

   - De modo algum. Vossa alteza deseja algo? - ela perguntou se aproximando cautelosa.

   - Água, muita água... E algo para eu poder arrumar esta bagunça, por favor. - passei a mão por meus cabelos ainda estressada. 

  - Como desejar. - então se retirou apressadamente.

   O que eu deveria fazer? Estava perdida.

   Corri até meu criado mudo e peguei meu aparelho celular na expectativa de contatar Sofly, ou até mesmo Danniel, mas oque me esperava era bem pior que isso. Abri minhas mensagens e encontrei uma de Jade, e nela dizia "Precisamos conversar. Durma cedo."

   O que ela queria dizer com aquilo? 

Uma Rainha Em ApurosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora