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–Eu posso ir contigo ao centro de saúde. E, se quiseres, até faço o teste contigo e tudo! – Proferiu Sofia levantando-se decidida.

–Tens a certeza? – Perguntou Bianca surpreendida com a sua atitude.

–Tenho. Eu quero fazer isto! – Exclamou decidida.

–Tudo bem então. Até é bom, porque assim vocês aproveitam e conversam, que bem precisam! – Atirou Bianca olhando para Sofia. Esta captou a indireta e saiu juntamente com Márcio.

Chegaram ao centro de saúde e foram encaminhados para a ala da colheita de sangue. Entretanto apareceu uma enfermeira que procedeu então à recolha das amostras de sangue. Sofia tomou a iniciativa e avançou em primeiro lugar como forma de encorajar Márcio, que nunca gostara de agulhas. No final aguardaram pelos resultados na sala de espera.

–Achas que vão demorar muito até dizerem o resultado das análises? – Perguntou Márcio inquieto.

–Não, isto é um procedimento rápido. – Respondeu Sofia. Ao fim de quase 45 minutos apareceu novamente a enfermeira com dois envelopes brancos na mão.

–Aqui têm os resultados. – Anunciou entregando os envelopes aos respetivos destinatários.

–Obrigada. Boa tarde. – Agradeceram e saíram.

–Queres abrir já ou preferes esperar até chegarmos a casa? – Perguntou Sofia.

–Não quero abrir já mas também não quero que seja em casa. – Respondeu Márcio. – Quero que venhas antes a um sítio. – Apanharam o metro e foram até ao Parque das Nações. Caminharam calmamente à beira-rio e conversaram.

–Gosto bastante deste sítio. É calmo!

–Eu também. É para aqui que venho quando quero pensar na vida. – Relatou Márcio olhando para o envelope ainda selado nas suas mãos.

–E foi também aqui que tivemos a nossa última discussão. – Sofia tentou evitar pôr o dedo na ferida mas, mais cedo ou mais tarde, este assunto acabaria por vir ao de cima.

–Pois foi. Eu sei que não agi da melhor maneira. Deixei-me levar pela ganância e olha no que deu!

–Eu também me arrependo de algumas coisas. Fiquei irritada na altura mas depois tu quiseste falar e eu virei-te as costas. Acredita que me apeteceu muitas vezes ir falar contigo e ouvir mais uma vez o que tinhas para dizer mas depois o orgulho acabava sempre por falar mais alto!

–Esquece isso agora. Eu no teu lugar se calhar teria reagido igual ou pior. Aconteceu, aconteceu! Não vale a pena estarmos a insistir no assunto porque isso já não vai mudar nada! – Relativizou Márcio quando Sofia esperava que este aproveitasse para trazer à baila todos os podres dela.

–Estou admirada! Não esperava que levasses este assunto com essa leveza toda. – Exclamou Sofia admirada.

–Sabes, quando achamos que o nosso fim está próximo acabamos sempre por relativizar muitas coisas. Talvez assim seja mais fácil aceitarmos a ideia de que tudo tem um fim. – Refletiu Márcio.

–Mas tu ainda não sabes se estás doente ou não. – Observou Sofia.

–Eu sei. E é por isso que, antes de abrirmos os envelopes, quero perguntar-te se é possível voltarmos a ser amigos apesar de ter sido uma besta contigo? – Perguntou Márcio encarando, pela primeira vez, Sofia nos olhos.

–Sabes que vai ser difícil esquecer-me do que aconteceu e também não te garanto que as coisas entre nós voltem instantaneamente a ser aquilo que eram antes. Mas acho que podemos fazer um esforço mútuo para nos darmos bem. Além disso sempre foste a minha besta preferida! – Respondeu Sofia selando o momento com um sincero e apertado abraço. – E então? Preparado para saber o resultado das análises?

–Tem que ser, não é? – Respondeu Márcio conformado. Abriram os envelopes ao mesmo tempo e
detiveram-se durante alguns minutos a ler as informações nele constantes. – O que é que te deu a ti?

–Deu-me negativo. Não estou doente! – Respondeu Sofia contente pelo seu resultado. – E a ti? – Márcio baixou a cabeça e não disse nada. Sofia estranhou e começou a ficar apreensiva. – Então?

–Toma! Lê tu o resto. Eu não tenho coragem! – Visivelmente nervoso, Márcio entregou o sobrescrito para as mãos de Sofia e deixou que fosse ela a acabar de ler.

O teste serológico revelou-se positivo quanto à presença de anticorpos anti-VIH, demonstrando que houve exposição ao vírus. A contagem de linfócitos CD4 revelou uma quantidade inferior a 200 por mL de sangue. Estes e outros testes complementares levam a concluir com 99,9% de certeza que o paciente é portador da estirpe 1 do vírus da imunodeficiência humana, estando já no estado de SIDA. – Finda a leitura, Sofia olhou para Márcio e viu os seus olhos a encherem-se de lágrimas.

–Eu sabia. Estou doente e vou morrer. E tudo por culpa do Hélio! Ele não tinha o direito de me fazer uma coisa destas. NÃO TINHA! – Gritou enraivecido. Sofia, sem saber o que dizer, abraçou Márcio e tentou acalmá-lo.

–Não vais nada. Eu e a Bianca vamos estar aqui para te apoiar em tudo.

–Não percebes que a minha vida acabou? ACABOU! A partir de agora sou um doente incurável. Doente, desempregado e sem sítio para viver sequer! Achas que alguém neste país vai dar emprego a um doente com SIDA? – Disparou Márcio ainda em choque.

–Não digas disparates! Eu e a Bianca ajudamos-te no que for preciso. E se falares com ela, de certeza que te deixa ficar lá em casa. Tu não estás sozinho nisto, Márcio! – Afirmou Sofia convicta.

–Eu sei, desculpa. Vocês são as melhores pessoas que eu tenho na vida mas eu não sei se vou conseguir lidar com isto para o resto da minha vida! – Exclamou Márcio limpando as lágrimas.

–Claro que vais! Nós estamos aqui! – Encorajou Sofia.

–Posso te pedir um favor? – Perguntou Márcio já um pouco mais calmo.

–Claro, tudo o que tu quiseres!

–Eu queria ficar um bocado sozinho, não te importas? Preciso de assimilar isto tudo e pôr a cabeça em ordem. – Explicou Márcio.

–Tens a certeza? Não queres que eu fique contigo mais um pouco? Até podemos almoçar os dois por aqui, se quiseres! – Perguntou Sofia. Não achava boa ideia deixá-lo sozinho numa altura destas mas também entendia a necessidade de Márcio em querer estar sozinho. Talvez assim ele conseguisse lidar melhor com a sua situação.

–Tenho. Eu fico bem, não te preocupes! E quanto ao almoço eu como por aí qualquer coisa.

–De certeza que ficas bem? – Insistiu Sofia.

–Fico, é na boa!

–Está bem então. Mas já sabes: qualquer coisa, falas comigo ou com a Bianca! – Lembrou Sofia.

–Sim, mãezinha! – Exclamou Márcio revirando os olhos. Sofia foi-se embora, deixando Márcio sozinho com os seus pensamentos.

Aproximou-se da beira-rio e observou o modo suave como as ondas se desfaziam ao bater no muro que as separava de terra firme. Assim acontecesse também com os seus problemas!

–Ai Márcio, Márcio! O que é que vais fazer à tua vida? – Disse para si próprio enquanto encarava o horizonte longínquo, na esperança de que este lhe desse uma resposta que resolvesse todos os seus problemas. Não tendo recebido essa resposta, Márcio subiu para cima do gradeamento e sentou-se no corrimão mais elevado, virado de frente para o rio.

–E agora? – Perguntou para si enquanto observava o vaivém das ondas com mais atenção.

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Olá a tod@s, espero que tenham gostado deste capítulo, que é um capítulo especial que vai determinar o resto da história. Repararam no vídeo que pus no cabeçalho? Esse vídeo não foi escolhido por acaso. Vejam-no e depois diga-me o que acharam. Mas vejam mesmo!
Beijinhos e até ao próximo capítulo.

Tudo Tem Um Fim IIWhere stories live. Discover now