02 de dezembro - Parte 03

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Com todos os vidros abertos, eu podia praticamente experimentar o gosto da maresia em minha boca. Ainda estávamos muito longe, mas já era possível imaginar o mar.

Nossos cabelos dançavam conforme a música do ar e eu senti como se pertencesse ali, naquele momento. Sean colocou a cabeça mais perto da janela, como um pequeno filhote de cachorro. Fofo.

Foi fácil sair de casa hoje. Ele utilizou os adereços que comprei e ficou abaixado por muito tempo, mas realmente não havia ninguém lá fora. Na internet, tudo indicava que Sean estava no Rio de Janeiro. Mas ali na estrada, ele já havia tirado tudo novamente. Seus óculos e boné descansavam no banco de trás, a única coisa que restava em seu rosto era a barba por fazer, uma boa maneira de se disfarçar um pouquinho mais, já que ele nunca a deixava assim. Eu gostava dela, que também parecia pertencer ali.

Resisti a vontade de tocar seu rosto e fazer esse tipo de comentário, estávamos curtindo um silencio não constrangedor e eu queria prolongar esse momento. Não é sempre que conseguimos estar confortável com alguém sem dizer nada, mas nós dois parecíamos dominar essa arte, não havia tenção em nosso silencio. Não mais.

Conforme os carros se amontoavam, percebi que essa provavelmente não tenha sido minha melhor ideia. Quer dizer, Santos em dezembro? Que outra pessoa não teve essa ideia genial?      
Nossa "sorte" era que o tempo parecia feio, a previsão indicava chuva.

Espero que não esteja tão lotado quanto eu imagino.

- O quão disposto a fazer uma trilha você estaria?

Perguntei, pensando que nossa única alternativa com um pouco mais de privacidade seria a praia do Sangava, no Guarujá. Com certeza não estaria vazio, mas duvido que ele seria reconhecido com facilidade por lá.              

Nós provavelmente não conseguiríamos fazer os passeios que eu havia planejado. Acabei me esquecendo do quão conhecido Sean é. Tracei uma segunda opção de roteiro, tentando me lembrar de algum mercadinho com boas frutas. A praia que estamos indo não possui quiosques, talvez somente alguns vendedores locais - com sorte, e acho que Sean gostaria de provar comidas locais.

Depois de algumas horas de descida, finalmente chegamos à cidade. Tive um pouco de receio sobre o que Sean imaginaria do local. Eu me lembro da primeira vez que a visitei: era início de ano e minha família havia passado a virada no Guarujá. Em algum momento, acompanhei minha tia até a rodoviária de Santos, nós estávamos deixando alguém que voltaria mais cedo. Meu primeiro pensamento ao cruzar a balsa foi: "que cidade horrível! Como alguém pode querer morar aqui?".

Dois anos depois, eu estava vivendo lá.

E mais do que isso, eu amava a cidade. Cada pedacinho dela tem uma história especial para mim e foi bastante doloroso terminar a faculdade e voltar para São Paulo. Até hoje, sinto como se o litoral ainda fosse minha casa.

A parte boa de se viver em outras cidades é que você acaba tendo casas pelo mundo a fora. A parte ruim é que você nunca mais está completa em um só lugar, há sempre outras pessoas e outros momentos que você gostaria de estar vivendo.

Então, se ele odiasse ali, eu entenderia. Não posso dizer que à primeira vista é o lugar mais bonito. Mas, ao mesmo tempo, eu também ficaria bem P da vida. Ninguém, nem sequer Sean Hill, tem direito de falar mal de Santos.

Enquanto passávamos pela orla de carro e eu apontava a rua em que havia morado, contei para Sean pedaços da minha vida na faculdade. Tenho certeza que ele pode notar todos os sentimentos embebedados em minhas histórias. Além do mais, as ruas estavam cheias de mini árvores iluminadas para o Natal, o que tornava tudo mais especial.

- Você vai vê-las hoje de noite! Eles usam a mesma decoração todo o ano, mas eu nem ligo, porque ela é linda. A árvore azul, em especial, é bastante peculiar. O led é esquisito e faz parecer que você não enxerga direito, não sei explicar, mas é impossível focar a vista naquela luz. É minha favorita. – Eu provavelmente soava como uma doida, enquanto apontava e falava mil coisas ao mesmo tempo, mas nem liguei. Havia pouco tempo e ele precisava conhecer todas as partes legais.

A Garota da Capa [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now