02 de dezembro - Parte 08

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Pedi a Sean que me mostrasse algumas fotos tiradas durante a sua turnê, numa tentativa de tirar o foco do meu mini cochilo praiano, situação que estava me deixando bastante envergonhada.

Além disso, desde que eu aceitei que realmente tinha uma queda por ele, alguma coisa mudou e minha paciência estava no limite comigo mesma. Acredito que Sean não tenha notado nada. Ou melhor, estou me esforçando para que não note.

Mas, para mim, é como se os passarinhos da Branca de Neve começassem a cantar toda vez que ele sorri.

Valha-me Deus, Elena, você não tem mais quinze anos! Já perdeu o direito de agir dessa maneira.

Se eu tivesse um estilingue nesse momento, acertaria todas as aves, uma a uma.

- Essa daqui foi meu primeiro show, acredita? – disse, enquanto apontava para uma foto no celular - Foram umas 100 pessoas! Eu fiquei tão animado. No comecinho, eu atualizava o Instagram de 1 em 1 minuto, para ver se alguém novo havia me seguido. É engraçado pensar assim, agora que tanta gente acredita em meu trabalho. Mas a verdade é que cada pessoa importa. Toda vez que alguém escuta minhas músicas, essa pessoa colabora diretamente para que eu possa fazer o que eu amo. Não é incrível?

Eu não conseguia nem dimensionar nada disso. Até ontem, um total de zero pessoa havia lido meus poemas. Imagina se um dia 100 pessoas lessem? O quão feliz eu ficaria!

- Essas pessoas não passam a ser só números depois de um tempo? Mais um seguidor, mais 10, mais 20.000... E em algum momento, esses valores se desassociam do que eles realmente significam?

- Infelizmente, sim. Tenho até vergonha de assumir isso. Mas em uma época, eu parei de entender que se tratavam de pessoas reais. Eu só via os números subindo e pensava o quanto eu queria ser maior e ter mais alcance, e assim ser melhor que alguém. Só que a gente só se sente assim por trás de uma tela. Nos shows, eu via o público crescer e isso era incrível. Eu passei por uma época distante das redes sociais, você lembra?

Fiz que sim com a cabeça, mas na verdade não sei se eu me lembrava. Muitos artistas passam por um período fora das redes sociais.

- Foi nesse período. Eu precisava voltar a entender a real importância daquele número, o que ele realmente significava. Parece absurdo, porque a pressão já é incrivelmente grande na vida de qualquer um, mas quando você é uma celebridade, as redes sociais te fazem querer ser ainda mais perfeito. E nada daquilo é real! Quero dizer, eu sei que as pessoas que trabalham nesse meio vendem a imagem, mas não dava para viver dessa maneira o tempo todo. E então eu basicamente surtei. Tive uma crise de ansiedade, cancelei alguns shows.

- Oi? Como assim? Como ninguém nunca ficou sabendo disso?

- Amanda pode ser um pouco exagerada, mas ela é uma profissional incrível. Havia uma pressão tão grande, eu deveria namorar a pessoa perfeita, criar a música perfeita. Me diziam para ter calma, que a sensação iria passar, mas não passava. Eu não me sentia capaz, queria desistir o tempo todo, mas não me sentia nem capaz de desistir, parecia que até para isso eu era insuficiente. Minhas crises nem foram tão fortes, sei que a ansiedade e depressão possuem níveis e que muita gente luta por muito mais tempo. Eu tive sorte e ajuda. Mais que isso, eu pedi por ajuda quando entendi o tamanho da situação.

- Eu nunca, em um milhão de anos, imaginaria que você passou por isso.

- E eu me sinto péssimo! Por passar essa imagem perfeita. Problemas acontecem com todo mundo, com o tamanho da minha influencia eu deveria propagar essa informação, deveria lutar por essa causa. Mas eu não estou pronto, não ainda. A crise foi muito recente, me lembro de quando os críticos diziam que eu estava caindo num pop ansioso de adolescente. Eu ERA um adolescente ansioso, não é à toa minhas canções refletiam exatamente isso! Mas será que precisavam dizer isso? Será que não notaram meu comportamento?

- Eu odeio trabalhar em um lugar que fomenta esse tipo de sentimento. Sinto muito mesmo. Não consigo imaginar na quantidade de matérias que já escrevi e que poderiam estar falando exatamente o que a pessoa não precisava ouvir. Que raiva de mim.

Sean tentou se justificar, dizendo que não era minha culpa, que todos os meios de trabalho são um pouco perversos e corrompidos. E ele não estava errado. As experiências podem ser deturpadas e acabar gerando o oposto da ideia inicial, mas eu não deixava de ter um pouco de culpa, e ele também.

- Acho que você deveria tentar. Não temos tempo para ficarmos nos sentindo culpados e não podemos ser iguais a todos os outros, que estão bem em não fazer nada. Vamos apoiar a causa, doar para uma instituição, ou simplesmente postar uma legenda em uma foto que indique que você está ciente da causa. No meu caso, eu vou reler mil vezes cada parágrafo de uma matéria que eu escrever, e vou tentar me colocar no lugar de todos os seres humanos que estão enfrentando um problema.

- Toda ação conta. – Sean completou, com um leve sorriso.

- É isso! Toda ação conta!

Ele segurou minhas mãos num ato de carinho, tão doce. Eu me sentia praticamente sozinha ali com ele. Só nós dois e os passarinhos, que já faziam ninho em meu ombro. Principalmente depois dessa demonstração de confiança, eu nem conseguia acreditar que Sean havia me contado tudo aquilo.

Eu importava. Talvez não da maneira que eu me sentia em relação à ele, mas definitivamente eu importava para ele, e notar isso me fez feliz.

Senti um nó no estomago começando a se formar, mas não era um nó de sentimento.

- Ah não. – Disse, enquanto colocava a mão em minha barriga instintivamente – o pastel.

O que raios eu iria fazer? Esse lugar só tem banheiro químico!

Comecei a suar frio, a medida que o desespero tomava conta e minha barriga dava sinal de que não aguentaria nem mais dez minutos.

- O que está acontecendo? – Sean questionou, claramente sem enxergar a situação por completo.

- O pasteeel – disse, num tom sofrido, enquanto aperta mais perto do ventre.  

Não acredito que, depois de babar na praia, eu ainda assumi para a celebridade do momento que estou no meio de uma emergência de banheiro! Mas não havia tempo para refletir. Peguei minha bolsa o mais rápido possível – agradecendo ao universo por sempre ter um saquinho com papel guardado – e corri para o único banheiro disponível. Que situação.

Quando voltei para perto de Sean, olhei dentro de seus olhos e disse:

- Você nunca vai tocar nesse assunto, está me ouvindo? Isso não aconteceu. – Achei melhor falar abertamente, já que não poderia haver vergonha maior do que a que eu acabei de passar.

Sean riu. Muito, mais muito mais do que eu gostaria. Podemos dizer que ele se contorcia na areia. Mas quem não riria, não é mesmo?

- Você é a melhor pessoa que eu já conheci na vida, Lena.

E, depois disso, nem mesmo a minha corrida da vergonha parecia importar tanto assim.

- Eu não tenho nada a ver com o que você imaginava, não é mesmo?

- Não mesmo! Você é real.

Sean me envolveu em seu abraço, e eu entendi o que ele quis dizer.

A Garota da Capa [CONCLUÍDO]जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें