Monótono

Capítulo 1: Calma

Parece que uma tempestade está se aproximando. A manhã mal começou e o sol se recusa a atravessar as nuvens escuras que pairam sobre toda a cidade. Mesmo de dentro de sua casa, Lan Wangji pode ouvir os ventos uivando. Ele precisará lembrar Sizhui para trazer um guarda-chuva antes de ir para a escola hoje.
Chuva forte não é uma visão incomum para ambos os Lans. Eles só recentemente se mudaram para Gusu há três semanas, e o clima sombrio não é menos diferente do que a chuva a que estão acostumados em Londres. Tendo nascido e criado lá, Sizhui até disse que sentirá falta da chuva assim que eles saírem. Talvez seja sorte o tempo decidiu segui-lo aqui.

"Bom Dia pai."

Wangji se afasta da janela, não surpreso ao ver o menino de quinze anos já vestido e pronto para a escola meia hora antes de seu ônibus chegar. Seu uniforme é, como de costume, limpo e sem um único vinco. Por um segundo, Wangji vislumbra o jovem vestido com suas roupas da  Seita Lan Gusu antes de afastar aquela memória antiga. Sizhui nunca muda, independentemente do ano em que Wangji o encontra.

"Bom dia", diz ele, juntando-se ao adolescente em sua mesa de jantar.

O café da manhã é o mesmo de sempre. Sizhui come a comida preparada para ele enquanto Wangji bebe seu café em silêncio. Ele nunca mais come café da manhã; um mau hábito que ele adquiriu ao longo dos anos.

"Oh sim." Sizhui abaixa seus pauzinhos e olha para ele. “Eu prometi a um de meus professores que o ajudaria com uma exibição depois da escola. Eu estarei em casa tarde então.Tudo bem?"

Wangji acena com a cabeça. "Você gostaria que eu o levasse de volta para casa?"

"Está tudo bem. Eu posso pegar o ônibus."

"Certifique-se de trazer um guarda-chuva."

Sizhui acena com um sorriso, retornando ao café da manhã. O silêncio cai entre eles novamente; um silêncio confortável, ambos bem-vindos todos os dias. Quando Sizhui termina de comer, ele se levanta e lava os pratos sem que Wangji precise dizer a ele.

Isso traz um pequeno sorriso no rosto. Mesmo sem cabelos compridos e as vestes do discípulo, Sizhui é o mesmo. Wangji só pode esperar que ele seja feliz neste futuro também, como esteve em suas vidas passadas.

Esta não é a primeira vez que ele consegui encontrar o menino. Em vidas passadas, Wangji muitas vezes se deparou com a criança abandonada nas ruas ou indesejada por seus pais. Dez anos atrás, Wangji o viu no coração da cidade de Londres, envolto em um cobertor fino enquanto dormia naquele beco escuro. Sizhui tinha cinco anos, apavorado com estranhos e com a escuridão, deixado por pais egoístas demais para trazer uma criança a este mundo.
Sem perceber, Wangji se viu olhando para Sizhui, caso ele precisasse de uma casa que cuidaria dele.

Às vezes, ele não conseguia encontrá-lo. Wangji esperava que isso significasse que Sizhui havia reencarnado em uma vida com uma família amorosa. Parte dele também se perguntou se talvez, apenas talvez, Wei Ying conseguisse encontrá-lo antes dele.

Não foram apenas as encarnações de Sizhui que ele encontrou. Ao longo dos séculos, Wangji encontrou o irmão adotivo de Wei Ying, ainda tão irritado quanto ele originalmente era. De início, deu a Wangji alguma esperança de que Wei Ying também estivesse de volta, mas ele nunca foi. Ele nunca retornou, não depois de dez anos, ou cinquenta, ou cem, ou  mil . Nem mesmo depois que Wangji tocou inquérito por incontáveis ​​séculos, ou depois que ele viajou pelo mundo, procurando em outros países pela presença de Wei Ying, em qualquer lugar.

"Eu estou indo." A voz de Sizhui o afasta de seus pensamentos. Wangji olha para cima para vê-lo indo em direção à porta. "Até mais, pai."