II - FIO DE PRATA

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II - FIO DE PRATA

Alguns dias depois...

Meus pais fizeram uma festinha para comemorar meu aniversário de sete anos. Foi no quintal da nossa casa havia vários enfeites coloridos e vieram alguns colegas de escola. Cantamos parabéns e teve um palhaço muito divertido chamado piuí que fez brincadeiras engraçadas. Meu pai filmava tudo enquanto brincávamos de vendar os olhos e, com um bastão de madeira, tentávamos acertar o saco de surpresas preso ao galho de uma árvore. Meu colega bateu o bastão no galho, que balançou fazendo um ninho cair ao chão. No ninho havia um pássaro pequeno, parecia muito machucado, nem se mexia o bichinho. Peguei-o entre as mãos e, em alguns minutos, ele começou a se mexer como se quisesse sair dali. Quando abri as mãos, ele voou, todos da festa ficaram impressionados.

Nessa época apareceu uma mancha no meu punho direito, a cada dia ficava mais visível, sempre que podia a esfregava, mas a mancha não saía. Todas as manhãs, mamãe preparava meu lanche e o deixava em cima da mesa. Eu o pegava, dava um ligeiro beijo de adeus em mamãe e corria para tomar o ônibus escolar que passava em frente a minha casa. Mas nesse bendito dia, estava com tanta pressa que só a beijei e corri em direção ao ônibus que buzinava. Mamãe vendo o lanche na mesa o pegou e correu atrás de mim:

– Sam, seu lanche!

Ouvindo o seu chamado, voltei imediatamente. Estendi o braço e segurei o lanche, foi quando mamãe viu a mancha, segurou minha mão puxando-a para ver melhor:

– O que é isso?

– Não é nada, mãe! – O ônibus buzinou novamente.           

– Tenho que ir! Tchau.

Beijei-a novamente, puxei a mão que segurava o lanche, e corri novamente para o ônibus buzinante.

            Na escola, apesar de algumas meninas me olharem estranho, fazerem brincadeiras de mau gosto comigo, nunca me importei! Sentia-me diferente, e depois do incidente na escola tive certeza disso.

Certa vez, estava tão furiosa com grupinho de meninas que implicavam diariamente comigo que as olhei fixamente, quando de repente a cadeira de uma delas quebrou. Todos colegas riram. Nesse incrível dia me senti muito poderosa, apesar de ficar pensando: Será que fui eu?      

Quando retornei para casa, após a escola, estava acontecendo uma reunião de família, o comentário era sobre a saúde de vovó Clara. Mamãe me recebeu com um beijo e me pediu que fosse para o quarto e fizesse o meu dever. Subi as escadas, entrei no quarto, fui direto tirando meu caderno da mochila e colocando-o sobre a escrivaninha junto à janela. Sentei, podia ver as belas colinas cobertas de flores e árvores gigantescas que me fascinavam, fazendo com que ignorasse meu dever. Quanto mais olhava, mais me sentia atraída. Avistei um vendaval que emitia sons que ecoavam em minha cabeça, parecendo música. Fiquei ouvindo a música, aos poucos a melodia ficou mais nítida. A porta do quarto se abriu e mamãe entrou segurando um cesto de roupas dobradas para guardar na cômoda, e disse:

– Amanhã iremos visitar a vovó no hospital.

Por alguns instantes ela parou de guardar as roupas e me olhou:

– O que você tanto olha pela janela?

 Por um gesto pedi silêncio.

– Xiii! Quero ouvir a música!

 Mamãe aproximou-se da janela olhando também em direção aos montes:

– Que música, Sam?

Sem retirar os olhos dos montes, apontando com o indicador:

– A música vinda das montanhas, olha o vendaval?

Mamãe ficou calada. Quando olhei para trás ela já havia saído do quarto. Após algum tempo a porta do quarto foi aberta novamente. Desta vez recebi só uma ordem: – Vá para o banho mocinha! Depois, desça para jantar.

Na hora de dormir não conseguia parar de cantarolar a canção dos montes, não saía da minha cabeça. Quando comecei a dormir senti meu corpo leve, pude ver minha essência levitar ao lado do meu corpo. Dancei ao som da música, enquanto o fio prateado que ligava meu corpo a minha essência se esticava. Fui à janela, senti vontade de voar. Olhei para baixo, mas não consegui ir adiante, com medo de que o fiozinho se rompesse. Fiquei parada em frente à janela. A porta se abriu novamente, me provocando um susto que fez minha essência voltar súbito para meu corpo físico, que continuava dormindo, mas eu estava acordada de forma diferente. Pude sentir e ver o beijo carinhoso que recebi de boa noite. Era de meu pai.  Enfim adormeceu minha essência.

No dia seguinte minha vida continuou normalmente. No ônibus em direção à escola pensei no sonho que tive à noite, eu estava em um lugar maravilhoso, onde tudo era azul celeste, um céu mesmo de nuvens azuis. Havia um garotinho e nós brincávamos de dar pulos sobre as nuvens. Eu o sentia como se ele fosse meu melhor... Não sei explicar. Ele me olhava com ternura. Enquanto brincávamos, uma grande bolha se aproximou e o envolveu. Segurei sua mão, pedi para que não fosse, mas foi inútil, não consegui segurá-lo,  enquanto ele gritava:

–Tikva, Tikva! – A bolha subiu aos céus até desaparecer. Experimentei a palavra impotente pela primeira vez e, sentindo sua falta, chorei!

Após a escola, voltei para casa e, depois, fomos visitar vovó no hospital. Entramos no quarto e a encontramos dormindo: parecia um anjo. Mamãe chorava baixinho enquanto o médico falava sobre a saúde da vovó. Aproveitei o instante em que eles conversavam e fui até a vovó. Segurei-lhe a mão e lembrei quando ajoelhadas, aos pés da cama, vovó Clara me ensinava:

Junte as mãozinhas e repita comigo: “minha boquinha somente fale coisas alegres e nunca magoa ninguém. Que eu possa aconselhar aqueles que cruzem o meu caminho, e que meus olhos vejam sempre o bem de cada um dos meus irmãos. E que minhas mãos alcancem o pão ao necessitado, que meus pés estejam sempre nos caminhos do bem para me levarem mais próximo de Deus!” – Nesse momento, uma força estranha saiu de minhas mãos passando para as mãos da vovó. Mamãe, sem reparar nada, se aproximou e deu um beijo de adeus na vovó, e disse:

– Vamos, Sam!

Soltei a mão da vovó Clara e a beijei. 

O tempo foi passando, fui crescendo e descobrindo que podia fazer mais coisas e, toda vez que essa força saía de mim, o sinal parecia mudar de forma e ficava mais escuro. Às vezes, sem os outros perceberem, eu ajudava as pessoas. Durante algum tempo cessou a música vinda da montanha, meus pais não pareciam mais tão preocupados comigo, mas eu ainda tinha fascínio pelas montanhas e desejo de um dia ir até elas.

Devas os mensageirosWhere stories live. Discover now