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O pior nem era o templo estar em chamas, mas o restante da cidade também, e naquela localização, os bombeiros nunca chegariam a tempo de salvá-lo.

A naginata agora estava fora de seu alcance, mas não poderia ser mais inútil. Mikoto tirou um maço de ofuda do bolso que sempre trazia consigo desde Aka, e rezando para que o kami escrito por uma caneta esferográfica tivesse o mesmo efeito que o escrito por tinta e pincel, anotou uma palavra.

Ela segurou o papel o mais alto que podia e disse:

-- Chuva!

Sua pérola brilhou azul. O céu continuou limpo, mas o vento esfriou, e Mikoto de repente sentiu-se cansada como se tivesse caminhado por quilômetros com pesos nos pés. Ainda assim manteve o braço erguido.

-- Chuva!

A pérola brilhou mais intensamente. Nuvens se reuniram acima da cidade, mas ainda não caíra uma gota de água, e agora os joelhos de Mikoto bambeavam, ela precisou de toda a força que restava para ficar de pé e falar uma última vez:

-- Chuva!

Agora a luz da pérola a ofuscava, sua visão entrando e saindo de foco. Foi com um alívio imenso que dessa vez sentiu as primeiras gotas caírem em seu rosto, então se entregou à exaustão de ter escalado três montanhas e desabou.

Não teve certeza de nem por quanto tempo sua consciência oscilou, mas ao acordar, suas roupas estavam completamente ensopadas, a chuva caía fraca, claramente no fim, e o fogo do templo se extinguira.

Aquele menino ainda estava lá, sentado de pernas cruzadas a seu lado e olhando para ela confuso, como uma criança que não sabe o que fazer. O horizonte começava a clarear com as primeiras luzes do amanhecer.

Mikoto sentou com algum esforço. A essa altura a chuva já parara, seus músculos tremiam de frio e cansaço, e ela sentia fome como se não comesse há semanas. Mas valera a pena, ela conseguira fazer chover na cidade inteira.

Infelizmente já era tarde demais para o Santuário Negro. O esqueleto carbonizado da construção sustentava umas poucas telhas sobreviventes, que ameaçavam cair à menor alteração de vento. Todo o interior fora destruído, bem como o pergaminho que devia residir lá dentro.

Mikoto contemplou o cenário com um profundo suspiro de tristeza e voltou-se para o menino. Seu cabelo comprido caía sobre seus olhos e aparentava não ser lavado há dias.

-- Não sei quem é você, mas obrigada pela ajuda. Qual é o seu nome?

Ele inclinou a cabeça para o lado, claramente não entendera o que ouvira. Mikoto estranhou e tentou outra abordagem.

-- Eu sou Mikoto – apontou para o próprio peito. O menino observou o gesto com atenção.

-- Mikoto?

-- Sim, isso mesmo! Você fala! Agora sua vez, diga o seu nome.

Sua expressão voltou a ficar confusa. Mikoto bufou decepcionada e procurou em sua aparência algo que dissesse mais sobre esse menino estranho.

Ele usava uma roupa cinzenta completamente esfarrapada e rasgada em vários pontos, mas ainda era visível que aquilo era um quimono masculino tradicional. Parecia um personagem saído de um daqueles mangás da época dos samurais.

-- Mikoto! – várias vozes chamavam seu nome ao longe. A menina ficou de pé no momento em que Takako chegou correndo da escada.

Ela e Sayuri se jogaram sobre ela num abraço esmagador, e ainda ofegantes e de rostos vermelhos pela subida, começaram o interrogatório.

O Conto da Donzela do SantuárioWhere stories live. Discover now