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No momento em que Sayuri pôde ficar de pé, o que aconteceu apenas na manhã seguinte, ela fez um encantamento de cura para restaurar a perna quebrada de Takako, e deu certo, mas o esforço a exauriu e ela teve que voltar para a cama.

Foram necessários dias para a cidade voltar a alguma normalidade. O dano causado pelos youkai não era tão extenso quanto o de um bombardeio, mas o verdadeiro estrago não estava nas paredes e ruas destruídas.

As pessoas aparentemente tinham perdido a confiança nas sacerdotisas e no clã Kairiku. Agora não eram apensa boatos e rumores, tornou-se oficial e inegável que youkai existiam, e o fato de haver monstros perigosos à solta criou um pânico generalizado.

E como nenhum membro veio em socorro dos cidadãos na noite do ataque, houve uma quebra na antiga confiança de que o clã protegia o mundo das ameaças da natureza de youkai.

Tamayori fez um pronunciamento para explicar que os monstros encurralaram as guardiãs das pérolas e todos os membros do clã de forma que não pudessem impedi-los de avançar para o palácio governamental. A explicação, entretanto, só convenceu alguns poucos. Apesar de ser a verdade, a maioria da população ainda estava muito ressentida pela falha e o que ela custara.

Mikoto ficou um pouco constrangida ao perceber que era alvo de muito menos hostilidade, por ter sido vista na rua enfrentando os youkai com a naginata e por ter salvado a rainha. Yamatohime foi até o distrito do clã agradecer pessoalmente, o que aumentou muito sua credibilidade com o clã e o resto da cidade.

Depois disso muitas pessoas começaram a abordar a menina para perguntar como ela salvou a rainha sozinha ou parabenizá-la por ser uma heroína.

-- Você deve ser muito talentosa para uma miko tão jovem – comentou um homem de cabelos brancos que devia ter uns sessenta anos.

-- Eu tenho dezessete anos na verdade – Mikoto murmurou em resposta. O homem ficou surpreso.

-- Mesmo? Achei que tivesse menos, mas não é uma diferença muito grande entre catorze e dezessete anos. Ainda é muito jovem.

Algumas vezes, quando Mikoto respondia que teve ajuda para chegar à rainha, os expectadores olhavam curiosos para Haku.

-- Vocês são irmãos? – perguntou uma mulher – Vocês têm olhos iguaizinhos.

Ouvir isso fez voltar à mente de Mikoto o que Yasha falara naquela noite do ataque, sobre os três terem a origem em comum, e como seus olhos eram idênticos.

Seria possível que viessem da mesma família? Uma família misteriosa de invocadores de youkai de olhos cinzentos, sobre os quais nem o clã Kairiku sabia. Se fosse mesmo verdade, por que Mikoto fora abandonada no oceano, e por que tinha poderes de miko em vez de invocar youkai como Yasha fazia?

Como podia ser uma miko se vinha de uma família de magos negros?

Perguntas demais sem nenhuma perspectiva de respostas. Se ao menos tivesse uma pista...

-- Hora do almoço – Haku entregou uma marmita a ela e sentou ao seu lado na calçada para comer. Mikoto teve uma ideia ao olhar para o menino.

-- Você está bem mais falante agora, Haku. Parece até que passar por essas experiências de risco te solta mais.

-- Acho que sim – ele rapidamente terminou o almoço, baixou os hachis e olhou para longe, pensando – Quando estamos em perigo, de repente me sinto mais alerta, e é como se uma força invadisse meu corpo, me sinto mais esperto, mais ativo, sei exatamente o que fazer. Às vezes parecer uma força que não é minha.

-- Como assim?

-- Não sei explicar – Haku procurou as palavras certas – Acho que, como essa vontade vem do nada, de repente, tive a impressão que ela não é minha, ou pelo menos não totalmente minha, como se outra pessoa a compartilhasse comigo. Sei que é estranho, só esqueça.

O Conto da Donzela do SantuárioWo Geschichten leben. Entdecke jetzt