[Cap.1] Antes, um presente.

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O cenário que surge é este: um considerável número de pessoas comemorava, todos ainda um pouco salpicados pela maquiagem. Os músicos tocavam animados e havia uma certa pulação, os pés levantavam poeira. Estava apertado para sair do local menos iluminado para o extremo do outro lado, onde há a mesa com o bolo. O vento fazia as barracas se desalinharem, a estrutura parecia querer ceder sobre os que ali se amontoavam. As velas de 18 brilhavam, as barracas eram pretas e os lampiões fracos dificultavam a iluminação.

— É big, é big! É hora, é hora, é hora, RA-TI-BUM! Idára! Idára! — gritavam eles.

O relógio marcava meia-noite, não haveria melhor momento mesmo depois da última apresentação. O circo Lileu já havia faturado bastante nesta única noite em comparação a todas as outras apresentações daquele ano. Era bem certo, por onde seguiam viravam a atração principal e turistas costumavam os seguir pelos países que iam. Gente em grande número, a impressão era aquela na foto, uma enorme família sorridente e barulhenta, a armação do circo na ambientação de fundo e o colorido na vertical e horizontal, pessoas para todos os lados gritando "XIS"!

Depois de tanto tempo o dono, o considerado velho Hamish, e sua esposa Clarisse, agora comemoravam alegres o completar de 18 anos de sua neta Idára. Sua família era o circo, toda aquela torcida fazia parte do farfalhar de seus corações, da consideração do invisível laço familiar. Um dos parentes, este sendo de ligação sanguínea, atravessou a multidão, era Kaíke, o pai. A deu como presente o de costume, um dinheiro guardado entre panos. Ele não era muito comunicativo, mas quando sentia a necessidade de lhe dar um conselho ou sermão, sem via de dúvidas era de serviço, era certo. A quantia era dobrada porque agora se tornara uma jovem não tão moça, foi assim que as mulheres mais velhas disseram, se bem que aquela expressão dividia um pouco o senso de compreensão nela. Estas senhoras permaneceram perto da mesa, não iriam para o meio dançar, não ficariam no fundo da barraca para observar, estariam ao lado de Clarisse e Barbuxa a manter o símbolo de ordem já perdido naquela madrugada.

A balburdia persistia, os músicos pareciam aumentar a velocidade do compasso, chamavam de criatividade fluída e muitos pés a tropeçar para ver quem chegaria perto da aniversariante. Cada um tinha um bom tema para expressar, um correto verso para recitar e teriam um abraço caloroso para a oferecer.

— Abra o seu presente! — a senhora Barbuxa interrompeu a fila, sua voz ressoante passou pelos vários furos do teto da barraca e o volume da canção foi até alterado. O sorriso saíra fingido e ela não poderia suportar mais o desejo de dormir.

— Ok, madame. — Idára pegou o presente pesado, tinha-lhe envolta uma roda em cores, os palhaços, domadores, malabaristas, bem havia de tudo! — Oh sim, este é o livro nível 3 de francês, muito obrigada madame. — teve de fingir também para esconder seu desapontamento.

— Ora! Por que você deu essa versão a ela? Eu comprei a mesma, afinal, percebi que seu francês não estava lá dos melhores. — O cozinheiro Penha disse ajeitando melhor sua postura. Usava uma calça larga com suspensório, vivia mexendo ali, como se fosse um dono de fazenda e em vez de um pedaço de folha na boca fosse o deslizar dos dedos na alça, o suspensório, sua marca.

Como responsáveis pela comunicação Barbuxa e Penha eram os da frente quando Hamish precisava fazer seus negócios, principalmente por serem poliglotas. Dividiam o cargo de braço direito do chefe do circo e por extra: se odiavam.

— Ora essa digo eu! Isto não é um amigo secreto! Por que não me perguntou o que eu compraria? — Barbuxa falou arqueando as sobrancelhas e todos ali presumiam que uma discussão poderia surgir.

— Pensamos no mesmo como sempre, mas deixo claro que eu em nível superior ao seu. — Penha a respondeu.

— Sim-sim, pense no que quiser. Idára poderá dar sequência a mim quando partir deste mundo. Saberá administrar este lugar até melhor do que eu. Ando muito cansada e aborrecida com todos esses... esses... CONTORCIONISTAS! NÃO É, FRED? — o rapaz avançava sobre o bolo pegando grandes pedaços e colocando em seu prato, os olhos se arregalaram. Ao seu ver foi discretamente para trás. — Idára será minha esperança, não será? — Barbuxa prosseguiu segurando firmemente nas mãos dela.

Em todos os cafésWhere stories live. Discover now