[Cap.5] Importam os detalhes.

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Venezuela, quinta-feira 1974

Hoje seria a comemoração do dia 'do conhecido' com meu amigo Cisco. Uma pena meu pai ter mudado o trajeto padrão e estarmos na Venezuela. Gostaria tanto de estar passando o dia com ele hoje. Comeríamos uma dúzia de amoras e sobraria bastante espaço para as maçãs! Só de imaginar o pomar sinto que posso chorar... não existe pessoa como ele. Raramente discutimos e posso contar os meus mais densos pensamentos. A alma de Cisco é total aventureira, daria um ótimo membro do circo, principalmente nas apresentações de drama. Ele é verdadeiramente uma boa companhia, temos muito em comum, em pesar nossos destinos. Ele não gostaria de ter que cuidar da cafeteria da família, diz que a calmaria lhe deixa moribundo. Confidenciamos que gostaríamos de trocar de vida, em verdade traríamos mais orgulho aos nossos pais se fôssemos os filhos reversos.

Estou na janela então posso ver os outros lá fora, estão se divertindo porque o tempo está muito fresco, é um fim de tarde muitíssimo agradável. Seria tão bom poder ficar apenas parada ali esperando o vento passar, mas estou de castigo! Aí vai um bom roteiro! Mais cedo fui a livraria popular Fino Esmeralda e consegui com o que juntei, comprar o livro Anne de Green Gables, tenho que dizer que é fascinante, mas foi confiscado! O senhor Penha me denunciou para o meu pai, aquele MAGRELO! Tive que passar na palmatória 6 vezes, aumentou-se em mais 5 porque disse que o cozinheiro Penha era um verdadeiro magrelo, um grande magrelo amarelado! Eu sei que não é nada bom oferecer esses tipos de adjetivos as pessoas, me sumiu a parte consciente que trata dos sentimentos de empatia quando disse isto, estava verdadeiramente irritada.

E lá se foram meus cinco meses de economia. Eu cheguei a pensar em me vingar, podia incluir qualquer plano onde colocasse Barbuxa como centro e então certamente poderia obter uma satisfação, mas totalmente estranha. É que há tempo de sobra para refletir neste quarto gelado, e eu me arrependo de ter pensado nisto. É terrível quando os dois brigam, papai não faz nada para diminuir, ele apenas ri e escolhe um dos lados para torcer, isto toda vez. As piores brigas são na janta, deixa tudo mais desagradável, a gente que tá na mesa até perde a fome. E as discussões não tem nenhum causo verdadeiramente impactante, é sempre "Eu é quem cheguei primeiro/Você é a substituta", e uma replicação de, "se você fosse tão bom não ia ter alguém para substituir". Engraçado que eles nunca ficam de castigo, mas eu sim. Estou aborrecida, se pudesse sair agora... se estivéssemos em Suriname e Cisco me desafiasse a pegar um peixe com as mãos, de provável eu não pensaria duas vezes! Bem que Cisco poderia aparecer e me levar para bem longe daqui... "

— Idára vamos logo! — Clarisse entrou falando alto no quarto da neta. — Quanto mais cedo chegarmos mais frescos estarão os legumes e de sorte os mercadores gritarão menos, pois tomam seus desjejuns a essa hora. 

A moça escondeu rapidamente o livreto no bolso do avental, disfarçou a caçar qualquer vestido no guarda roupa.

— Ainda está à procura do que vestir? Ora vamos! Eu escolho para você, tire esse avental, deixa-o, — prosseguiu na insistência — me dê aqui. O que foi Idára?

— Não é nada, pode procurar uma roupa para mim, pretendo me despir depois que a senhora se virar.

— Desde quando tem vergonha de sua vó, hein? Eu curei seu umbigo.

— Por favor vó.

— Claro agora você já é grande! Mas me dê esse avental porque sei que não irá lavar. Consigo ver daqui aquele vestido jogado no chão. Idára, é a roupa de ontem? Por que não colocou de molho? — Clarisse disse indo até lá o apanhar.

A moça aproveitou para tirar o livreto do bolso, mas o mesmo tinha garrado no fundo, estava preso na linha. Conseguiu tirar pela pressão que fez com os dedos, pensou em jogá-lo atravessado entre os vestidos, mas a avó já voltava.

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